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O meu diário: Presentes

… o Natal na aldeia tem outro sabor, tem outro cheiro, tem outro som e por isso faz mais sentido.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Estamos na época dos presentes. Este ano fomos um pouco mais contidos porque estamos em crise. Por esta altura sou como o Fernando Mendes do Preço Certo, chego a casa sempre carregada de sacos e saquinhos de ofertas. Desde a alheira ao bombom, passando pelo paninho bordado, pelo queijo, pelo bolo e pelo vinho do Porto recebo um pouco de tudo dos meus doentes. Mais ou menos elaborados eles são também um pouco a imagem de quem os oferece. E ao contrário do rei da sucata, estes não parecem querer comprar-me ou pelo menos não o sinto, mas quase sempre correspondem a um cumprimento natalício, a uma forma de dizerem obrigado. Na maioria são doentes crónicos que vejo muitas vezes no ano e quando os repreendo pelo gesto, ficam seriamente indignados como se fosse crime rejeitar ou menosprezar um obrigado.

Neste Natal tirei uns três dias de férias, visto que o nosso primeiro-ministro resolveu ser somítico, não tive outro remédio. O Natal é da família e com o envelhecer da outra geração não há outra saída senão começar a liderar as efemérides, desde a rabanada até à organização da logística mais prosaica, do tipo quem dorme nesta cama e onde estão as almofadas para este povo todo. Outra coisa incrível é a quantidade de aranhas que se acumulam numa casa pouco habitada e a técnica para as aspirar, o que lhes dará uma morte rápida e sem dor, julgo eu. Mas tudo isto vale a pena porque o Natal na aldeia tem outro sabor, tem outro cheiro, tem outro som e por isso faz mais sentido.

Quando regressei ao serviço tive de juntar presentes de três dias e carregar para casa. Alguns estavam no frigorífico, outros no cacifo, mas houve dois que vinham em envelopes que me comoveram. Um é de uma religiosa estrangeira que sigo há alguns anos que me escreveu um postal de boas festas e que num português difícil, me afirmou que gostava muito de mim, e disse-o de uma forma quase infantil mas muito enternecedora. Sinto que é genuína, espontânea e simples. O outro tinha a fotografia de um bebé lindo, com um sorriso lindo que é filho de uma nossa doente. E a mãe dizia que aquele sorriso era para nos transmitir que o nosso trabalho valia a pena. A equipa tinha sofrido por aquela criança, tinha-se empenhado para que tudo corresse bem, que ambos tivessem direito a ter uma vida com um curso normal. E conseguimos. E o sorriso do Miguel foi a nossa melhor prenda de Natal.

(texto publicado na edição em papel de 30 de Dezembro de 2011)