Assinar

O meu diário: Vilamoura

Mas a mulher não se conformava que aquilo era a Vilamoura dos ricos. Não sei do que estaria à espera, mas compreendo-a, porque eu própria já fui enganada por algumas terras que me souberam a pouco

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Eu a andar a pé depressa no intuito de queimar calorias, o que significa andar com aquela convicção de que sabemos ao que vamos. Decidida a derreter os jantares ou, pelo, menos com vontade de anular a açorda à alentejana da véspera.

É que, na minha pessoa, estas comidas têm grande aptidão para se me agarrarem ao corpo e nunca mais se irem embora. Estava, pois, a sacudir a dita açorda e uma bolita de gelado que também se me agarrou, sim, que são férias e as pessoas não se podem privar de tudo ou, pelo contrário, de nada.

Um Citröen parou junto à berma da estrada e gritou um “ó menina, por favor!”. Olhei para trás, a ver quem vinha no meu alcance e, lisonjeada, vi que vinha sozinha. Oh lá, esta “menina” é mesmo para mim.

Querem ver que a marcha foi milagrosa? Já se nota assim tanto? Não podia defraudar o elogio e abeirei-me do carro ou da voiture que tinha matrícula francesa. Percebi que eram emigrantes, pelo carro e pelo sotaque.

Era um casal na casa dos sessenta. Dava-me uma informação? Esta menina está aqui para vos servir. Onde fica Vilamoura? Olhei em volta. Tinha seguido na estrada do costume. Isto aqui é Vilamoura. O quê, Vilamoura dos ricos? Aquela dos barcos? Onde o Cristiano Ronaldo tem uma casa?

Isso da casa não sei bem, mas que costuma cá passar férias é verdade. E depois, tentando recuperá-los do desaire, fui dando indicações de como chegar à Marina para verem os barcos dos ricos a boiar e poderem deleitar-se a imaginar as boas vidas dos outros que, quando as nossas são fracas, imaginar as dos outros pode ser uma boa terapêutica.

Mas a mulher não se conformava que aquilo era a Vilamoura dos ricos. Não sei do que estaria à espera, mas compreendo-a, porque eu própria já fui enganada por algumas terras que me souberam a pouco.

A culpa é nossa que, de tanto criarmos imagens no cérebro, sofremos grandes desilusões. E a senhora continuava o interrogatório: A menina trabalha aqui? Não, não, estou de férias. E o marido ripostava: achas que ela trabalhava aqui? Sei lá, com tantos ricos por aí, alguém tem de trabalhar para eles, justificou-se ela.

Olhei-me: sapatilhas Aigle, calções de desporto e uma t-shirt do Região de Leiria. Estaria com ar de quem trabalha para ricos? Seria da t-shirt ou da bola de gelado na cintura? Irritada, rematei com convicção: Tenho cá casa.

E ela, aí, teve mesmo a certeza: Vilamoura não era a terra de ricos que tinha imaginado, dado que esta pindérica tinha cá uma casa. Passar bem e boas férias.

(texto publicado a 7 de setembro de 2012)