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Cultura

Sundlaugin Studio. O mergulho artístico de André Barros na piscina dos Sigur Rós

O sonho de André Barros concretizou-se: o músico da Marinha Grande está a estagiar no estúdio fundado na Islândia pela banda Sigur Rós e partilha com o REGIÃO DE LEIRIA a experiência.

No século XX, nos anos 30, era uma piscina em Álafoss, na vila de Mosfellsbaer, a menos de 20 quilómetros da capital da Islândia. No ano 2000 o edifício, entretanto abandonado, foi adquirido pelos Sigur Rós que fizeram dele o seu estúdio de gravação e local de ensaios.

Hoje é gerido pelo pianista e pelo manager da banda islandesa mundialmente conhecida e é lá que André Barros vive o sonho de trabalhar num espaço onde são presença assídua, para além dos próprios Sigur Rós, nomes como Damien Rice, Amiina, Mugison, Seabear, The album leaf ou Múm.

A poucos dias de terminar o estágio no Sundlaugin Studio (em português, o Estúdio Piscina), o músico da Marinha Grande falou da experiência ao REGIÃO DE LEIRIA.

André Barros: “Se tivesse de escolher um único estúdio onde pudesse estagiar, seria este”

Como surgiu a oportunidade de ir para a Islândia e, concretamente, para o estúdio fundado pelos Sigur Rós?
A alguns meses de terminar o curso de produção e criação musical na ETIC, e sabendo da possibilidade de me poder candidatar a um estágio no âmbito do programa Leonardo da Vinci, achei que seria a oportunidade perfeita para procurar aprender mais com profissionais da indústria, de preferência num estúdio de gravação com o qual achasse que teria alguma ligação mais forte, quer pelo historial do mesmo, quer pelos projectos e géneros musicais que maioritariamente por ali passam, ou ainda pelos profissionais que nele trabalham. E a verdade é que, se tivesse de escolher um único estúdio onde pudesse estagiar, seria de facto este onde hoje me encontro, precisamente por nele ver satisfeitos estes três requisitos de que falei. Não escondo, no entanto, que a minha enorme paixão pelo trabalho da banda que fundou este estúdio – Sigur Rós -, como seria de esperar, foi um dos factores que mais pesou. Juntando alguma persistência (vários telefonemas e outros tantos emails) a alguma sorte por me candidatar numa altura em que o estúdio há já algum tempo que não tinha nenhum estagiário, acabei por receber uma resposta positiva da parte de quem o dirige. Assegurado o estágio, candidatei-me à bolsa de estágios através da ETIC, a qual me foi atribuída e me permite, hoje, estar a usufruir ao máximo desta experiência!

Aspeto do interior do estúdio, que no início do século XX foi uma piscina

Como está a ser a experiência? Que tarefas lhe estão atribuídas?
A minha experiência neste estúdio tem sido, sem dúvida alguma, extremamente positiva quer no que diz respeito à aprendizagem, quer no que toca a contacto com músicos extremamente talentosos e sessões de gravação únicas. São várias as funções que me foram ou vão sendo atribuídas consoante o “workflow” do estúdio. Desde logo, funções mais técnicas: o preparar de sessões de gravação (escolha e posicionamento de microfones; adequada disposição dos músicos nas várias cabines e salas de gravação disponíveis); o estar responsável pela mesa de mistura aquando de uma captação, operando a DAW (quase sem excepção, usamos o sistema Pro Tools); o terminar de uma longa sessão de gravação (por vezes, escolha de “takes” com os músicos, pré-misturas, etc.). Mas também funções de carácter maioritariamente de manutenção de um estúdio, mais do que propriamente tarefas de engenharia de som: o zelar pela integridade do equipamento e instrumentos que se encontram no estúdio, e pela sua correcta operacionalidade; o assistir os músicos naquilo que necessitarem (por exemplo, imprimir uma pauta musical, ou até na montagem e desmontagem de instrumentos); eventuais obras que precisem de ser feitas para melhorar o funcionamento do estúdio (como o afixar de estantes para suporte de instrumentos ou reparar este ou outro equipamento). No geral, um assistente de engenheiro de som, na qualidade de estagiário, terá a sua quota-parte de responsabilidade nas várias tarefas levadas a cabo num estúdio de gravação, que poderá ser mais ou menos predominante nas tarefas mais técnicas, consoante a adaptação que vier tendo e a confiança que tiver do engenheiro residente.

Já se cruzou aí com algum músico dos Sigur Rós?
Tenho estado apenas com um dos membros da banda, o pianista, Kjartan Sveinsson, pois os restantes músicos estão agora pela Europa em concertos com o seu novo álbum, “Valtari”. O Kjartan desta vez não os acompanhou, apenas porque preferiu ficar com a família e evitar o desgaste de tanto concerto, tendo sido substituído por outro músico nesta “tour”. O Kjartan, por ser também dono do estúdio, passa imenso tempo connosco quando não estamos com nenhum projecto e tem sido um privilégio poder contactar com ele e testemunhar o seu enorme talento.

O Sundlaugin Studio fica aproximadamente a 20 quilómetros da capital da Islândia

Como é a vida na Islândia?
É muito diferente da que normalmente testemunhamos em grandes metrópoles, sendo que mesmo em Reykjavik as pessoas parecem viver as suas vidas de forma muito tranquila. Do ponto de vista cultural é um país muito rico, com artistas únicos e extremamente ecléticos. Já do ponto de vista social, diria que os primeiros dias para um estrangeiro poderão ser um pouco desconfortáveis, pois os islandeses (e ao que parece, à semelhança de outros países do norte) tendem a demorar algum tempo até socializarem de forma interessada e descomplexada.
Depois da crise que afectou profundamente o povo islandês, com todas as consequências que teve no sistema bancário e, consequentemente, na vida das pessoas, os islandeses revelam grande capacidade de recuperação e são extremamente metódicos e pragmáticos do ponto de vista profissional e cautelosos na gestão do património, sendo esse um dos factores que contribui para a rápida recuperação financeira do país.

Qual tem sido o seu percurso musical?
A razão pela qual resolvi investir neste curso de produção e criação musical teve a ver, acima de tudo, com a enorme necessidade que senti em aprofundar os meus conhecimentos técnicos no universo da música, desde os processos de gravação à própria mistura e masterização de temas, até ao conhecer, de forma mais detalhada, como funcionam determinados instrumentos e de que forma isso influi na musicalidade que deles podemos retirar aquando do processo de composição, aliando, de resto, a minha criatividade à técnica necessária à produção do meu próprio trabalho. Assim sendo, e inspirado pelo trabalho de artistas como Yann Tiersen, Wim Mertens, Philip Glass, Max Richter, entre muitos outros – que em comum têm o facto de se identificar o seu trabalho com os géneros clássico-contemporâneo e o minimalismo -, resolvi sentar-me ao piano (começando, talvez, numa idade pouco encorajadora dada a complexidade do instrumento – 22 anos) e tentar compôr as minhas próprias músicas. E o que é certo é que, não só não me sinto limitado pela pouca técnica e destreza que ainda possuo, dado o pouco tempo de experiência e a ausência de aulas de música, como na música descobri a melhor forma de expressar a minha criatividade e dela retiro o maior prazer, em especial quando ligada a uma imagem, uma dança ou outra forma de arte que possa ganhar com a presença das minhas composições. Até ao presente, e apesar de nenhum trabalho editado e comercializado, produzi dois álbuns da minha autoria (três temas dos quais com videoclip disponível no Youtube) que hoje me dão a confiança necessária para avançar, já nos meses que se aproximam, para a edição do meu primeiro álbum dito profissional. Espero que venha a ser um bom e fiel reflexo da paixão que nutro pela música.

Depois da passagem pelo Sundlaugin Studio, o que se segue?
Chegado a Portugal, tentarei produzir o meu primeiro álbum e lutar para ter concertos e envolver-me ao máximo em colaborações com artistas visuais, esperando contribuir com a minha música para filmes, documentários, espectáculos de dança contemporânea, entre outras formas artísticas que vivam também da música.

De que modo podem estes meses numa realidade artística diferente influenciar o seu universo criativo?
Já influenciaram, e de várias formas, quer pelo contacto com músicos, compositores e produtores tão diferentes e interessantes, quer pela bagagem técnica adquirida aquando das gravações, passando ainda pelo uso de instrumentos tão diferentes e combinando sonoridades de formas que até aqui não tinha testemunhado. Correndo o risco de dizer um cliché, a verdade é que estamos sempre a aprender e neste mundo em que dependemos quase exclusivamente da nossa imaginação, o pormenor mais trivial pode resultar numa contribuição massiva para o processo criativo. O que não faltará neste local tão único e particularmente deslumbrante do ponto de vista visual serão esses pormenores difíceis de ignorar.

Leia também a reportagem com André Barros na edição do REGIÃO DE LEIRIA de 12 de outubro de 2012. Está disponível ainda o diário de bordo do Projecto Leonardo da Vinci, que pode ser lido aqui.

Veja o vídeo de “O nosso fado”, música de André Barros, interpretada pelo próprio e pela violinista Joana Viana. A realização é de Carlos M. Barros, irmão do músico da Marinha Grande:


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