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O meu diário: Mulheres

Ando sempre a dizer que na próxima encarnação quero nascer homem.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Ando sempre a dizer que na próxima encarnação quero nascer homem. Tenho até um doente que tem um especial contacto com o além que me diz que já fui homem mas, francamente, não me lembro de nada. Digo quase sempre que o bom, bom, era nascer cão, mas belga ou francês, um daqueles chiens bem tratados, escovados, massajados e passeados. Cadela também seria uma boa versão, mas tinha os cachorrinhos a maçar. Mesmo mantendo a imparcialidade não tenho dúvidas que uma mulher transporta muito mais força do que um homem. Trabalham geralmente mais, sofrem mais, são mais julgadas socialmente e, quando chega a hora da liderança, são quase sempre ultrapassadas pela direita por um homem que vem lançado, pouco travado pelas condicionantes da vida e da família. Frustrações mal resolvidas estarão os rapazes a pensar. Nada disso. Não abdico do meu género nesta encarnação mas na próxima quero ser homem. Se gosto de me sentir mulher (como no anúncio)? Claro que sim. Gosto de me sentir mãe dos meus filhos, filha dos meus pais, mulher do meu marido e amiga das minhas amigas. Contudo ainda não compreendi por que sou eu a lavar o tacho e a sacudir a toalha se todos se serviram deles. Por que tenho de ir às compras sozinha se todos se alimentam e por que tenho ainda de mudar lâmpadas, meter gasóleo e negociar spreads bancários. Não sei o que resta para os homens tirando as cervejas e o futebol e talvez meter o carro naquele lugar de estacionamento que eu garanto que não cabe. Mas sou mesmo assim uma privilegiada.

Lembro-me sempre das mulheres africanas que trabalham de sol a sol, que carregam a responsabilidade de criar os filhos, e dos homens que partilham várias mulheres e as infetam sem qualquer hesitação com o vírus da SIDA. Penso na Índia em que a violação é tida como coisa banal porque as mulheres vieram ao mundo para atentar os homens.

Lembro-me quando não tinham direito a votar, quando recebem um salário inferior por igual trabalho e quando a opinião delas não conta. Lembro-me das que vivem na sombra sem poder brilhar e sem respeito ou dignidade e curvo-me perante elas. Sei que não tiveram escolha mas arrastam um exemplo que temos de enaltecer.

(texto publicado a 24 de abril de 2013)