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Identidade e território: O pacote de leite

Foi andando, andando, até que o dia finalmente surgiu.

Joao-forte
João Forte, geógrafo físico jfortegeo@sapo.pt

Foi andando, andando, até que o dia finalmente surgiu. O pequeno pacote de leite com chocolate, saiu do frigorífico, onde estava esquecido há muito tempo. Tinha sido lá colocado poucas horas depois de uma meia-mara­tona, onde é costume colocarem um no saco. Isto foi em 2012, o que significa que a validade já tinha sido ultrapassada há muitos meses. Eu não aprecio muito, daí ter andado a olhar de lado para ele meses a fio. Outros também viram, mas ninguém pegou naquele pequeno pacote de leite.

É realmente curioso como é que demasiadas vezes deixamos coisas boas estragarem-se irremediavelmente. Isto acontece com comida e todo o tipo de objectos com os quais lidamos na nossa vida. Aquele pequeno pacote de leite es­tragou-se, mas prometi que não seria em vão. Isso porque me fez reflectir, mesmo sendo eu uma pessoa que dificilmente deixa estragar seja o que for, seja no consumir, seja no estimar. Olhemos em nosso redor. Quantos objectos temos que, embora sejam úteis, acabam por não o ser ao esquecermo-nos deles? Tanta matéria-prima esquecida em nossas casas, é incrível não é? A moda das feiras de rua, tem, felizmente, recuperado algum deste esquecimento, mas mesmo assim ainda é pouco. Agora uma curiosidade: gosto de caminhar depois de jantar e é aí que, inevitavelmente, vejo caixotes do lixo cheios de matéria-prima condenada. Faz algum sentido?

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(texto publicado na edição de 3 de outubro de 2013)