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Caminhando: or piango or canto… – O sétimo andamento…

Andamentos no tempo. Uma paragem no tempo e o efeito que tem sobre nós. Motivo de reflexão para os outros.

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Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiria cristina.a.nobre@gmail.com

Tenho estado ausente, mas continuo a caminhar… mais devagar, é certo, porém continuo ingénua e a acreditar que a minha crónica noutro jornal teve, no passado, um leitor idealizado, a folhear semanalmente o jornal na expetativa de encontrar as palavras despretensiosas que não dizem nada sobre tema nenhum em especial, e no entanto fazem-se lembradas quando menos esperamos.

Na penúltima crónica (“Metereologia Pessoal”, fevereiro de 2009) terminava com um pedido: “…e pedir que o tempo continue fora do meu controlo: hoje e para sempre; hoje e até ao fim…” Não sabia, então, que é mesmo assim, e não é preciso pedir. O tempo, mestre misterioso que o Ocidente não para de venerar… É e basta. E nós, quando continuamos a ser, somos no tempo, e isso faz com que tenhamos que caminhar, completando, iniciando, aflorando andamentos com os quais podemos ter sonhado, mas que nunca sabemos como serão.

Saída de um interregno, satisfeita por ver a luz de novo, tocada pela música do quotidiano, tagarelei com mais sensibilidade do que nunca e, agora, percebi que alguns andamentos não têm que ter sentido, nem imediato, nem longínquo, apenas são. Andamentos no tempo. Uma paragem no tempo e o efeito que tem sobre nós. Motivo de reflexão para os outros – para olharmos para o nosso umbigo com menos narcisismo, pois mergulhamos em águas semelhantes.

Parar no tempo e regressar a ele – entre outras sensações inesperadas, nem sempre agradáveis… – serve para relativizarmos uma parte do que fazemos e tornarmos absoluto outra parte do que gostaríamos de fazer e passámos mesmo a fazer. Relativizar a dimensão das nossas perdas e preocupações pessoais, o comezinho individual, o sofrimento pontual das nossas esquinas; absolutizar a partilha das nossas capacidades, a alegria do dom de amar e ser amado, a sabedoria de descobrir aquilo de que os outros precisam e dar-lhes o que nos sobeja a nós, como um abraço natural, o pão partilhado no recreio da escola. Esquecer a perfeição e deixá-la para os deuses gregos; procurar a sabedoria da filosofia e encontrá-la no dia-a-dia dos nossos filhos, dos nossos amigos, dos nossos alunos.

E, quando chegar o tempo de pararmos, sem que o pedido tenha sido nosso, e sem que a nossa voz possa ser ouvida, completaremos um andamento maior: só pode dissolver-se quem já foi. E nós somos, em absoluto…

(texto publicado na edição de 16 de janeiro de 2014)