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Caminhando – or piango or canto…: A banalidade do bem…

O bem cultural, hoje em dia sustentável a si mesmo, é oferecido ao público, de forma gratuita pelas instituições oficiais, ou empurra parte do público para o consumo de um bem específico.

Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiriacristina.a.nobre@gmail.com
Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiria cristina.a.nobre@gmail.com

Fui (bem) educada para / (n)os valores: saber distinguir entre o bem e o mal e optar sempre pelo bem, ainda que algumas vezes fosse preciso argumentar: o que parecia o mal, não era afinal assim tão mau… Ora, Tolentino Mendonça, numa das suas crónicas do Expresso, diz-nos que a cultura não é um luxo e que devíamos ter fome dela – e eu, como ele, associo inevitavelmente cultura a bem.

O bem cultural, hoje em dia sustentável a si mesmo, é oferecido ao público, de forma gratuita pelas instituições oficiais, ou empurra parte do público para o consumo de um bem específico. É por este prisma cinzento que o bem cultural começa a relativizar-se e o cidadão responsável (educado?) deve acautelar-se e escolher, seguindo ou não o que os ‘fazedores de opinião’ lhe vão infligindo, acautelando a sua bolsa.

Como ‘não há fome que não dê em fartura’, o distrito de Leiria pode honrar-se com a sua oferta cultural e tem exemplos de continuidade de uma tradição intelectual com lastro para atravessar tormentosas estações e permitir fazer novas descobertas. Em primeiro lugar pela quantidade de ofertas, o que não é de somenos importância e nos obriga a todos a ter que optar.

Em segundo lugar pela descoberta de jovens talentosos – como os seus avós – que continuam a desbravar o caminho simpático, e agreste, de uma estesia que não pode nunca agradar a ‘gregos e troianos’, nem vender os exemplares para um ‘best-seller’ leiriense chegar a todo o mundo (descontadas as janelas abertas pela editora, a Textiverso, no seu sítio). As fotografias de Sara Fabião casam com os poemas de Paulo José Costa numa Vizinhança de Olhares, assumida numa coabitação de ‘I. Casas Contíguas’ e ‘II. Paredes-Meias’. Abro o apetite com estas palavras do poema Submersão: “Para quê traçar um signo / ou rota, quando é dispersa a metafísica / da claridade?” (opus. cit., p. 58).

Em terceiro lugar, não estarei completamente enganada se disser que é uma metafísica da claridade o que procura alcançar a nova revista Cadernos Leirienses. Aí, com seriedade e rigor, cada ensaísta com a sua especialidade, se procura encontrar o que nos identifica e diferencia, a amálgama de um distrito a batalhar por uma rota de luz. Não esqueço os esforços da Direção do Mosteiro da Batalha, com iniciativas louváveis e proveitosas, nem o teatro sob a direção de Jorge Silva Melo, a que meia Leiria assistiu no dia 9, ou as sessões teatrais de domingo na Casa-Museu João Soares ou as inúmeras apresentações de novos livros na Biblioteca Afonso Lopes Vieira.

Talvez a fome continue de pé porque o núcleo leiriense tem por onde escolher e acolhe quem vem até ele. E de cultura – não precisamos de dieta!

(texto publicado na edição de 23 de outubro de 2014)