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Tempo incerto: O princípio de Arquimedes

José Vitorino Guerra
José Vitorino Guerra

A educação é, actualmente, uma coisa plena de cientificidade que existe precisamente para provar o seu estatuto e que se reproduz ao serviço de uma panóplia crescente de conceitos, doutrinas, instituições e teóricos, acolitados por ambições totalizantes.A educação é uma “ciência” e a escola o seu campo de batalha experiencial. Não é de estranhar que cada ministro que surge a gerir a coisa queira cobrir-se de glória em nome dos altos serviços prestados à Pátria.
Portugal é o país das reformas educativas, em catadupa, municiadas pelos mais inovadores arsenais pedagógicos, políticos e ideológicos. O ensino anda repleto de debates, planos de melhoria, objectivos grandiloquentes, orientações, metas e estratégias. Tudo e mais alguma coisa que passe pela cabeça dos decisores ou lhes venha à ideia num momento de insensatez ou neurastenia. São camadas e camadas estratigráficas das maravilhas do que se deve aprender, das atitudes e comportamentos a adoptar para se ser uma criança de sucesso e um professor capaz de transportar consigo o brilhozinho nos olhos com que se ilumina o futuro.
E como estamos a falar de uma “ciência” quase exacta nunca vale a pena perder tempo em relação ao que falhou ou fazer o balanço dos disparates que se procuraram implantar.
Faltava-nos o perfil adequado para formatar o aluno do século XXI. O Ministério da Educação resolveu o assunto e definiu dez áreas de competências que vão da linguagem, ao raciocínio e à resolução de problemas, ao pensamento crítico e criativo, à consciência e ao domínio do corpo, passando pela sensibilidade artística e estética, as tecnologias, o bem-estar e a saúde. O aluno tem “de ouvir, interagir, argumentar, negociar e aceitar diferentes pontos de vista, ganhando novas formas de estar, olhar e participar na sociedade”.
Vamos ter, finalmente, um “homem novo”, de acordo com os mais altos valores e padrões relacionais socializantes da escola do entretenimento. Todavia, regista-se a falta, no excelso pacote de competências e virtudes, do princípio de Arquimedes (séc. III a.C.), que os alunos, no geral, agora desconhecem, fundamental para o conhecimento num “país de marinheiros”. Vamos voltar a ficar encalhados!
Escrito de acordo com a antiga ortografia

(Texto publicado na edição de 16 de fevereiro de 2017)