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Elogio da cidade: A ampliação moral das cidades

Os escritores, os pintores e escultores, os cineastas e os fotógrafos trazem novas narrativas, descobrem novos atores, desocultam novas camadas, reconfiguram imagens, desenham novas geografias, projetam novas identidades.

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João B. Serra, professor do Instituto Politécnico de Leiria serra.jb@gmail.com

A densidade urbana não se avalia apenas pela relação numérica entre estrutura física e demográfica. Há uma dimensão intangível que qualifica as cidades. Essa dimensão é da ordem do imaginário, está pontuada por referencias históricas acumuladas, pelas leituras cruzadas entre sucessivas gerações, ou seja pelas marcas do tempo e pelos diálogos que suscitou e fixou.

Uma cidade, para usar uma metáfora de Solà-Morales não é constituída apenas por praças e ruas (isto é, estruturas), mas também por esquinas (confrontos, contaminações, confluências). As esquinas velam e revelam o encontro e o desencontro, a co-especia­lidade e a co-temporali­dade, provocam o visitante e induzem visita.

Num certo sentido, as esquinas são os nós da hospitalidade, esse conceito crucial da vida urbana que se define em resposta à questão: que estamos nós dispostos a partilhar com os outros? A hospitalidade implica a noção clara da diferença entre quem está e quem chega de novo e em simultâneo a vontade genuína de parte a parte de promover a aprendizagem, a troca de conhecimento.

A literatura, as artes plásticas, o cinema e a fotografia são provavelmente o principais fornecedores de imaginário da cidade contemporânea, os primeiros responsáveis pela multiplicidade e diversidade das suas esquinas, os estimulantes decisivos da ampliação moral das cidades.

Os escritores, os pintores e escultores, os cineastas e os fotógrafos trazem novas narrativas, descobrem novos atores, desocultam novas camadas, reconfiguram imagens, desenham novas geografias, projetam novas identidades. Em suma, densificam visões e relações urbanas.

Devemos evitar a tentação de os catalogar como produtores de guias das cidades. A associação destes criadores aos emblemas turísticos não é justa. Os turistas são cada vez mais atraídos pelas cidades. Os artistas, como os viajantes, não necessariamente. A sua relação com a cidade é interpelativa, crítica. O seu intento é percorrer as margens, mais do que exaltar o centro.

(texto publicado na edição de 12 de dezembro de 2013)