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reXistência: Eu também!

De facto – acrescento – estou verdadeiramente farta de que as pessoas tenham tantos motivos para fazer greve e tenham que se queixar da crise.

Cláudia Oliveira, assessora de imprensa do BE/Parlamento Europeu rexistencia.co@gmail.com

Entro no aeroporto de Bruxelas, despacho a bagagem e dirijo-me ao balcão da companhia aérea. Aguardo um pouco até aparecer uma senhora com um ar aborrecido de fim de dia de trabalho. Pergunta-me o que quero. Tenho um voo marcado para dia 14 de novembro, a partir de Lisboa – respondo. Continua impassível a olhar para mim, à espera que eu lhe diga porque estou ali.

É o dia da greve geral – expli­co. Estas poucas palavras deixam-na verdadeiramente contrariada, faz um pequeno esgar contrariado, antes de me responder que não tem qualquer informação sobre “esse” assunto, que não há nada a fazer. Não desisto. Li hoje mesmo num jornal a informação sobre a greve no aeroporto e na aviação comercial! – volto a retorquir e sem a menor intenção de arredar pé dali até obter o que pretendia. Devo ter sido muito clara nessa pretensão pois de seguida perguntou-me em que dias desejava então viajar. Imediatamente lhe adiantei as hipóteses. Procurou no sistema e trocou o meu voo por uma das hipóteses que lhe havia sugerido. Paira um silêncio daqueles que quase nos fazem gelar. Ouve-se um ruído – é a impressora.

– Estou farta de greves e de pessoas sempre a queixa­rem-se da crise! – exclama enquanto me entrega o novo bilhete. O seu olhar como que sublinha e reforça o que acaba de dizer. Eu também! – respondo prontamente. Fica surpreendida! Por momentos julga ter encontrado em mim uma aliada, e sorri, pela primeira vez desde que ali cheguei. Um pequeno sorriso cúmplice. De facto – acrescento – estou verdadeiramente farta de que as pessoas tenham tantos motivos para fazer greve e tenham que se queixar da crise. Melhor seria para elas, certamente, que não tivessem motivos para greves nem para se queixar! – remato. Está atónita e olha-me com um ar semi-aturdido. Não percebe como foi possível ter feito um juízo tão precipitado da minha solidariedade com a sua causa. Não compreende como é que foi possível ter desperdiçado aquele pequeno sorriso de cumplicidade que afinal estava tão longe de o ser. Afasta-se do balcão para se recompor do choque.

Eu guardo o meu bilhete e sorrio, não pelo que acabara de acontecer, não só pela perspetiva de estar a caminho de casa, mas pelo antecipar da reação da senhora quando descobrir que o dia 14 de novembro se alastrou pela Europa e que além de Portugal, também a Grécia, Espanha, Malta, Chipre, Itália, França e Bélgica decidiram convocar greve geral contra as políticas da austeridade. A solidariedade em larga escala é mesmo a melhor resposta.

(texto publicado a 2 de novembro de 2012)