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Caminhando: or piango or canto… – As flautas queirosianas

O 1.º Concerto Queirosiano que a edilidade leiriense em boa hora (é isso a cultura?) ofereceu, partilhando com a comunidade a delicadeza e a técnica da Orquestra de Flautas do Orfeão de Leiria.

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Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiria cristina.a.nobre@gmail.com

O título não faz referência ao Crime do Padre Amaro, como julgarão os leitores menos bem intencionados, mas ao 1.º Concerto Queirosiano que a edilidade leiriense em boa hora (é isso a cultura?) ofereceu, partilhando com a comunidade a delicadeza e a técnica da Orquestra de Flautas do Orfeão de Leiria.

Ouvi as flautas, não na Igreja de S. Pedro, que o frio era muito e o vendaval se avizinhava, mas no belíssimo edifício do MIMO, e imaginei a luneta do nosso Eça de Queiroz por ali a pairar e quase ouvi laivos das suas ironias.

……que estavam agora menos beatas, mas era só velharia, e só os meninos das flautas traziam a fome da eterna juventude como a do Amaro, que todos pareciam ter na memória, transformado num documento quase histórico de um tempo felizmente passado. Estes graciosos jovens das flautas podem ser homo ou heterossexuais e ninguém se atreverá a menosprezá-los por isso. Nos novos tempos a religião já não faz bode expiatório de ninguém por adultério e as “relações” novas até são publicadas no facebook com likes para competências e performances quejandas. Até já ouvi dizer que o bom Francisc(an)o, de Roma ou da Argentina, ainda legalizará o casamento no sacerdócio, mas a pedofilia castigará como o pecado dos pecados. Como gostaria de beber um café ou um vinho argentino com aquele revolucionário vencedor pela e com a vida: diz o que deve ser dito e não o que esperavam que ele dissesse… Bem dito quem entende a beleza do mundo com música e não com chinfrineira. E a pura flauta para começar: as perfeitas bucólicas de Rodrigues Lobo…

O que não contava era com aquele gorducho do Orlando Cardoso. Foi uma cativante surpresa: mostrou as ruas, a minha casa, a Sé, a torre do sineiro, brincou com a má língua da Farmácia, aligeirou a beleza esvoaçante dos quadros pintados por uma Sílvia de agora, menos perversa que a nossa Paula Rego (mais dos ingleses: ficam sempre com o que é bom nascido cá na terrinha), e deu a ver a árvore genealógica dele, não a minha, o Senhor me valha, da pré-história até à história deste leiriense burgo, quando nele vim parar. Até pelas Invasões Francesas ele perorou, com tempo para sorrir e deixar entrar os amigos quando a voz pedia descanso. Desconfio que ele traz ali um novo romance a germinar… E não é sobre o padre Amaro, o crime será outro – isso é a única coisa que posso dizer-vos.

(texto publicado na edição de 13 de fevereiro de 2014)