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Tempo incerto: A política de “animação cultural”

José Vitorino Guerra
José Vitorino Guerra

Diversas autarquias têm vindo a privilegiar uma política de “animação cultural”, enquanto principal instrumento da actuação junto das comunidades.

A “animação cultural” é relativamente barata e permite, a quem a cria, mesmo sem grande rigor ou qualidade, dar a sensação de que está a fazer muito, fabricar eventos para as notícias e estabelecer uma rede de influências e de dependências em torno dos decisores políticos, em detrimento das iniciativas autónomas da sociedade. A autarquia passa a ser o principal, quando não o único, agente e promotor cultural da comunidade.
A “ animação cultural” consegue, com facilidade, chegar a públicos diferenciados e articular-se com o comércio de diversão nocturna e de restauração. Começa a surgir aos olhos do público como uma expressão privilegiada de actuação do poder. Na prática, estamos perante uma variante da acção política, já experimentada desde a antiga Roma, sob o aforismo de “pão e circo”.
A “animação” oculta a falta de recursos e de investimento na preservação e investigação do património cultural, arqueológico e industrial, na recuperação de edifícios de cariz histórico-artístico, na aquisição de livros para as bibliotecas e de acervos para os museus, na recolha, inventariação e preservação de espólios documentais dos mais diversos tipos, ou no apoio a projectos inovadores na área cultural, editorial, museológica e artística.
As autarquias fazem, também, insuficientes esforços para promover e apoiar os agentes e instituições endógenas, com capacidade de criação e de intervenção artística e cultural de qualidade, o que potenciaria a criação de novos pólos de emprego e a valorização da comunidade.
Preferem o culto do efémero, do evento que se esgota em si próprio, mas que possui uma capacidade imediata de atracção das populações, como as recriações ditas “históricas”, que, geralmente, mais não fazem do que construir imagens falsas sobre o passado.
A política de “animação” tem a vantagem, a que os autarcas dificilmente resistem, de se repercutir nos meios de comunicação social, nas redes sociais e de poder ser aproveitada em termos de propaganda justificadora de uma legitimidade política acrescida para os seus promotores.

(Texto publicado na edição de 05 de janeiro de 2017)