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As cinzas de Pedrógão Grande

Ontem, o ar, em Leiria, tornou-se mais difícil de respirar. As nuvens cinzentas, contrastando com o calor intenso que se fazia e se faz sentir, que, normalmente, é sinónimo de um sol radiante e de um céu limpo, trouxeram notícias trágicas.

 

mariafranciscagama@hotmail.com

 

 

 

Ontem, o ar, em Leiria, tornou-se mais difícil de respirar. As nuvens cinzentas, contrastando com o calor intenso que se fazia e se faz sentir, que, normalmente, é sinónimo de um sol radiante e de um céu limpo, trouxeram notícias trágicas. Com o passar das horas, apercebemo-nos de que estávamos perante um cenário de que não havia memória.

Não me cabe relatar factos, apontar culpas ou mencionar promessas que foram feitas ao longo dos últimos anos no que toca à prevenção e cuidado da floresta portuguesa, e que, como todos sabemos, não foram ainda cumpridas. A Mãe Natureza sempre foi maior do que nós, e, não obstante a nossa vontade desenfreada de nos informarmos, superarmos, industrializarmos, Ela continuará a ser maior do que nós. Esta constatação faz com que possamos ficar todos no conforto do nosso lar, nós que temos a sorte de não o ter perdido nas chamas, a lamentarmo-nos de como, às vezes, a Natureza é injusta? Com toda a veemência digo que não. E com algum conforto, talvez alívio, pois tenho sempre receio de que a crise de valores supere a monetária de 2008, também digo que uma onde de solidariedade se está a insurgir, não só a nível regional e nacional, como internacional. E que mesmo que esta onda de solidariedade não traga as sessenta e uma vítimas mortais, já confirmadas pelos media, de volta, ela fará com que todas aquelas que, nos dias de ontem e de hoje, viram as suas casas, carros, animais, bens, poupanças e frutos de uma vida, a arder, sintam que, apesar de todos nós termos um computador ou um telemóvel pelos quais partilhamos as fotografias do terrível incêndio que as desolou, e de também nos ser possível dizer como desejamos que tudo corra pelo melhor, nutrimos compaixão, solidariedade e amor pelo próximo. E isso, que não se vê pelo número de partilhas que fazemos no nosso Facebook de imagens chocantes com emojis também eles chocados, vê-se na ida aos Bombeiros mais próximos para entregar desde águas a mantas; vê-se nas doações, por mais singelas e modestas que nos pareçam; vê-se nas rezas que cada um de vós fará pelas almas que hoje são cinzas, e ver-se-á no resto do ano, no próximo, no outro, e em todos aqueles que se seguirem. Onde? Cada vez que poluirmos as matas, estar-nos-emos a esquecer das sessenta e uma vítimas mortais de Pedrógão Grande. Cada vez que fizermos queimadas ou fogueiras, estar-nos-emos a esquecer das sessenta e uma vítimas mortais de Pedrógão Grande. E cada vez que não apoiarmos os Bombeiros, que não virmos na profissão que desempenham, na esmagadora maioria das vezes, a título de voluntariado, a nobreza e a importância que a mesma tem, estar-nos-emos a esquecer não das sessenta e uma vítimas mortais de Pedrogão Grande, mas, sim, de todas aquelas que só ficaram feridas, ou até que, a nível físico, saíram ilesas, graças ao trabalho destes heróis mal pagos que se metem entre nós e o fogo.

Não é hora de olhar para o que não temos, para o que gostávamos ou podíamos ter a mais, mas, sim, para aquilo que podemos dar, àqueles que, neste momento, nada ou pouco têm.