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Passageiro do tempo: Um país de toupeiras

O que merece alguma reflexão é tentar perceber como um funcionário se sujeita a atraiçoar todas as normas do serviço que lhe está confiado e se vende por uns míseros bilhetes de futebol.

jmsilva.leiria@gmail.com

Um clube de futebol está a braços com um processo judicial por causa de acessos indevidos a processos em segredo de justiça, é o caso e-toupeira, por empréstimo do léxico da espionagem, com isto significando a existência de um elemento infiltrado numa organização, e por aceder a distância aos processos, utilizando recursos informáticos relativamente rudimentares, passwords e pouco mais, para furar a segurança da plataforma judicial Citius e obter informação para tirar proveito próprio.

Funcionário judicial, a toupeira conhecia bem o terreno e articulava-se com um assessor jurídico do presidente do clube, ambos vasculhando e utilizando como bem lhes parecia a informação a que acediam sem qualquer limitação.

Quando isto veio a público, e estando em causa crimes suscetíveis de acarretar pesadas penas, era legítimo pensar-se que a toupeira receberia chorudas quantias por informação ou uma avença confortável para se expor a tais perigos. Eis senão que se sabe agora que a toupeira recebeu uns bem modestos 2750€, equivalentes a 56 bilhetes de futebol, por 76 crimes, o que dá uma média de 50€ por crime.

Uma vergonha para qualquer toupeira que se preze, um carteirista consegue uma média melhor por carteira roubada e não se sujeita a penalidades tão graves. Quanto ao mandante, ou mandantes, quem acredita que os mais altos responsáveis do clube não sabiam como as informações fluíam, ainda não se sabe quanto lucravam, mas certamente a parada seria mais elevada.

O que merece alguma reflexão é tentar perceber como um funcionário se sujeita a atraiçoar todas as normas do serviço que lhe está confiado e se vende por uns míseros bilhetes de futebol. E um assessor jurídico se torna o cabecilha de uma ação criminosa desta natureza. Clubite sem filtro? O país está mesmo infestado de toupeiras e a praga parece não ter fim.

(Artigo publicado na edição de 13 de setembro de 2018)