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Tempo incerto: Estado calamitoso

No pós-25 de Abril, muitos professores acreditavam na capacidade da educação para consolidar a democracia e promover o desenvolvimento do País, enquanto outros cultivavam o nacional-porreirismo.

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No pós-25 de Abril, muitos professores acreditavam na capacidade da educação para consolidar a democracia e promover o desenvolvimento do País, enquanto outros cultivavam o nacional-porreirismo. Viveram-se tempos de encantamento que, nos nossos dias, se converteram em descrença.

Os mais entusiastas procuravam transportar para a escola novas práticas, uma liderança aberta e a vontade de ensinar e preparar para vida as gerações do devir.

Se a escola possuía carências diversas, o entusiasmo em ensinar e o dos alunos em aprender superava muita coisa. Alguns professores gastaram verbas significativas a comprar material de todo o tipo para nas aulas criarem novos tempos de partilha. Fazia-se um esforço no sentido da construção do conhecimento, do rigor e da capacidade de diálogo. Perante o comodismo, a generosidade incitava à inovação, à discussão sobre os métodos de aprendizagem e de trabalho. Havia quem tivesse vontade de fazer coisas diferentes.

O desencanto e o desânimo não se faziam ouvir e o voluntarismo ajudava a superar as divergências de opinião e os conflitos internos.

A própria comunidade via a escola com outros olhos, acreditava que esta podia dar aos seus filhos uma vida melhor.

Entretanto, fruto de múltiplos factores sócio-culturais, administrativos e económicos a condição de professor degradou-se e demasiados deixaram de acreditar na sua função. O conformismo e o desencanto foram-se instalando, à medida que reformas e modas de todos os tipos e feitios se abateram sobre a escola e a docência. Hoje, a generalidade dos professores, se pudesse, vinha-se embora.

Não se premeia o mérito dos que trabalham, não se combate a mediocridade instalada e acarinhada por quem de direito. Quase ninguém está para se chatear e a generalidade sabe que o conformismo é o melhor meio para singrar na carreira. O professor anda alimentado por patelas pedagógicas e amarrado à condição de burocrata penitente e animador cultural. O sentido institucional da escola foi-se desbaratando, a par da indolência intelectual e científica, de acordo com as doutas directrizes da tutela. A que acresce uma culturazinha do agrado do poder político local. A docência está num estado calamitoso, mas os hábitos e a rotina permitem-lhe a inércia e a continuidade.

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(Artigo publicado na edição de 18 de outubro de 2018)