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Tempo incerto: Velhos hábitos

Quem tiver alguma acção cívica e política rapidamente aprende que a opinião própria e o debate de ideias não são apreciados entre nós.

redacao@regiaodeleiria.pt

Quem tiver alguma acção cívica e política rapidamente aprende que a opinião própria e o debate de ideias não são apreciados entre nós. Existem muitas razões susceptíveis de explicarem o conformismo e a redução do diálogo a um discurso fechado e formatado pelo poder e pelo que se toma hoje em dia como politicamente correcto.

A sociedade portuguesa nunca aceitou muito bem a diversidade de opiniões nem o sentido crítico perante a realidade política e social.

Fomos, por demasiado tempo, uma sociedade marcada pela censura e pelos discursos normativos. Somos também pouco dados a liberalidades cívicas e à reflexão. Temos muitos anos de opressão, de marginalização pela prática social, através de diferentes regimes. A liberdade assumida de pleno direito foi sempre uma camada de verniz demasiado fina entre nós.

Poderemos ser levados a pensar que são resquícios de uma herança da mentalidade formada na ditadura. Todavia, se olharmos para o que se vem passando no nosso presente, ou dermos uma volta pelas chamadas “redes sociais”, facilmente constatamos que os velhos hábitos permanecem materializados num caldo cultural marcado pela intolerância, o ataque pessoal e o proselitismo, sem grandes filtros.

A escola também manteve os velhos hábitos, sob o manto diáfano das novas pedagogias. Os jovens, tutelados num universo de adultos, não possuem hábitos de afirmação de opinião e saem pouco dados a tomadas de posição, ao desencadear de iniciativas ou à afirmação de sentido crítico sobre o que os rodeia.

O espaço público de comunicação é quase todo feito de lugares comuns e de ruído, pouco se debate em profundidade. É tudo muito corporativo, clubístico e vazio. O discurso vale, frequentemente, mais pelas omissões do que por todo o resto.

Recordemos a última campanha eleitoral. Não se falou do estado da UE, das consequências do “Brexit”, da segurança internacional, das fragilidades estruturais internas nem do modo de resolução das profundas desigualdades sociais que nos afectam. Não se abordou qualquer estratégia de desenvolvimento económico e de afirmação nacional. Vão-nos ficar na memória as trapalhadas degradantes de Tancos, o ex-ministro que não sabia o que era um paiol, a maioria relativa do PS, a taxa de abstenção (45.50%) e a chegada da extrema-direita.

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(Artigo publicado na edição de 10 de outubro de 2019)