Assinar

José Vitorino Guerra

Tempo incerto: O espectro

Um espectro anda a atormentar uma certa elite política, desde que os portugueses disseram “Não” à regionalização.

redacao@regiaodeleiria.pt

Um espectro anda a atormentar uma certa elite política, desde que os portugueses disseram “Não” à regionalização. As mais diversas formas de exorcizar os seus efeitos têm sido tentadas para esconjurar a democrática aparição. Criaram-se comissões para exaltar as vantagens da regionalização e arautos de todas as cores e feitios vêm divulgando a panaceia e criticando os cidadãos, por ainda não terem percebido os benefícios de se retalhar o País em novos feudos legitimados pelo voto popular.

Na vanguarda da actual ofensiva encontra-se a mais fina nata dos nossos autarcas, sequiosos de levarem para um patamar superior de poder as práticas conhecidas a nível municipal. Não faltam exemplos de como desbaratar os dinheiros públicos, promover mordomias, apascentar clientelas ou aprovar mirabolantes projectos.

Os autarcas representam a espinha dorsal da democracia, onde crescem os insatisfeitos e os desencantados com a acção política. O seu poder aumenta na proporção em que os partidos, sobretudo a nível local, se esvaziam e municipalizam em torno de quem tem alguma coisa para partilhar.

A mera descentralização já não chega, mesmo que se traduza na brilhante ideia de distribuir secretarias de Estado pelas terrinhas dos secretários de Estado, em nome da coesão territorial.

Assim, o Dr. António Costa, com a habitual habilidade, tirou da cartola um coelho corporativo e fofo para afagar o ego dos autarcas.

Apelando à confiança dos portugueses nas virtudes da regionalização e evitando-lhes o trabalho de serem de novo obrigados a chumbá-la em referendo, anunciou a eleição dos presidentes das Comissões de Coordenação e Desenvolvimento Regional (CCDR), por um colégio selecto e exclusivo de autarcas. Na prática criam-se várias “câmaras corporativas” regionais. Tudo acompanhado pela distribuição de mais dinheiro e competências.

Trata-se de lançar “a semente” e de “mandar às urtigas” a decisão dos portugueses que chumbaram as regiões em referendo. Assim, os partidos com maioria autárquica na área de cada uma das CCDR passam a ter a possibilidade de decidirem quais os candidatos e de fazerem as escolhas, o que não deixa de representar um aconchego na distribuição dos fundos europeus. Onde quer que esteja, Salazar não deixará de se rir.

Escrito de acordo com a antiga ortografia

(Artigo publicado na edição de 12 de dezembro de 2019 do REGIÃO DE LEIRIA)