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Caminhando: or piango or canto… – No claustro ou no teatro: a vida

Interrogo-me sobre o que pode cada um de nós fazer, qual o nosso papel num mundo por refazer.

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Cristina Nobre, professora no Instituto Politécnico de Leiria cristina.a.nobre@gmail.com

Tive a sorte de ter uma amiga a acompanhar-me este sábado (Dia da Mulher?), ao fim da tarde, ao mosteiro da Batalha, no claustro de D. Afonso V, assistir a uma conversa com o frade (dominicano) Bento Rodrigues e com o jornalista António Marujo.

A temática era “O papel da igreja num mundo por refazer”. Naquele local fabuloso, fora do tempo, num excelente auditório, com dois anjos a guardarem-nos, apoiando a mão sobre a caveira (simbólica daquilo em que todos acabaremos por nos tornar, antes do pó na poeira do universo, e com o sexo mutilado, pois os tabus duram mais do que os ossos e tudo transformam em pó, mesmo a beleza da vida…), foi da vida que frei Bento discursou as escassas duas horas, em que a vintena de privilegiados assistentes não sentiu frio nem fome e emitiu as dúvidas mais “palermas”, as que costumamos ter pudor de colocar perante sumidades da área. O pregador, que eu só conhecia das proveitosas crónicas dominicais no jornal O Público, surpreendeu todos com o ritmo, a energia, a inteligência crítica colocada em todas as ondas do seu discorrer, amenizados por uma ou outra história/anedota elucidativa. O sumo de tudo: a coragem de enfrentar e dizer aquilo de que todos temos medo: a nossa consciência reativa face ao mundo refeito ou por refazer em que estamos e gostaríamos que os nossos continuassem a viver. Saí sem comprar o livro em que as crónicas estão reunidas, para que o arquivo da memória dos tempos as guarde, e com vontade de ter António Marujo como colega de profissão, pela suave pedagogia demonstrada, na difícil e hábil tarefa de conduzir o riso e a autoironia de frei Bento para outro ramo da árvore que continuava de pé.

Como uma amiga nunca vem só, no domingo, outra me arrastou para o Teatro José Lúcio da Silva, assistir à peça Sopa de Massa, do grupo O Nariz. O espaço não era de pedra, mas eram os bastidores da cena, cercados pelo escuro que apenas permitia vislumbrar o vadio asneirento em solilóquio com a sua vida e a de todos, iluminado pela fome e frio, bafejado com o som de um fagote sensível, socorro musical dos aflitos.

A plateia bateu palmas no fim e, mesmo quando riu dos disparates de quem está do lado A e julga que nunca ficará do lado B, foi para a sua cama honesta e o seu quente edredão com as angústias anquilosadas das chagas dos tempos que correm. Ninguém fez perguntas – o teatro não é o claustro do convento… – mas a virulência daquela sopa ficou no cérebro pensante e criativo de toda a plateia.

Interrogo-me sobre o que pode cada um de nós fazer, qual o nosso papel num mundo por refazer. Não cheguei(arei) ainda (nunca?) à resposta, mas tenho a certeza (fé?) que a arte (o poema escrito, o esboço do jardim do mosteiro, a pintura do homem a tocar fagote, a dança dos anjos retalhados…) e o homem conseguirão continuar a encontrar a beleza da vida. É isso que os torna seres humanos…

(texto publicado na edição de 13 de março de 2014)