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O meu diário: Chineses

Na verdade, os chineses ou não adoecem, ou não confiam na nossa medicina e não representam uma ameaça ao SNS.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

A minha relação com os chineses começou muito cedo, ainda criança e através do meu avô que sempre foi um homem de visão estratégica. Sem qualquer formação académica, mas com uma forte cultura política, ele gostava de tecer algumas considerações acerca das grandes potências. Explicava que eles seriam uma ameaça séria se resolvessem atacar a Europa. E eu, atenta, não imaginava como, ao que ele remetia-me para uma imagem visual: Eles são tantos, tantos que se voltarem para cá a fazer chichi todos ao mesmo tempo, morreremos afogados.

Nessa altura só víamos chineses na televisão e não havia nada que se conhecesse made in China. Há uns anos atrás com as lojas de chineses a rebentar em todos os cantos, infetando o comércio como ervas daninhas, fui-me apercebendo de outra realidade e fiquei a achar que os chineses eram um povo de comerciantes que abriam lojas de roupa, bazares de utilidades e restaurantes. Depressa constatei que a medicina chinesa devia ser de qualidade porque quase não se viam nos hospitais. Lembro-me de três ou quatro doentes chineses e comparativamente de centenas de doentes oriundos dos países de leste. Na verdade, os chineses ou não adoecem, ou não confiam na nossa medicina e não representam uma ameaça ao SNS (Serviço Nacional de Saúde).

Aquando das minhas visitas a Angola, revi a distribuição da ocupação dos chineses, que lá dominam no ramo da construção civil, sendo responsáveis pela construção de inúmeros edifícios e estradas. Também pela primeira vez vi medicamentos chineses baratíssimos, quando comparados com os nossos e com apresentações em quantidades enormes tipo frascos gigantes de 800 comprimidos de paracetamol. Ficou por testar se baixam a febre e acalmam as dores como os ocidentais.

E se a ideia era que a China só tinha baixa qualidade a baixo custo, depressa foi passando ao rever as etiquetas de muitos produtos e constatar que são made in China. Muito dos produtos de marcas que estão na ribalta são produzidos na China.

Como emigrantes não se misturam e não ostentam ou impõem a sua cultura. São muito discretos, gostam de passar despercebidos. Não sabemos em que acreditam, o que gostam de fazer nas suas horas de lazer ou como festejam acontecimentos.

Agora que começam a estar presentes nas empresas nacionais começamos a pensar os chineses como hipotéticos patrões. Ainda não morremos afogados mas convém aprender a nadar.

(texto publicado na edição em papel de 13 de abril de 2012)