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Passageiro do tempo: Cidades despovoadas e em ruínas

Sabe-se que a maior parte dos edifícios são privados mas não se pode cair na tentação de julgar que este assunto pode ser resolvido pelos proprietários.

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José Manuel Silva, professor/Gestor do ensino superior jmsilva.leiria@gmail.com

A propósito de questões técnicas fiscais relativas ao IMI, os serviços técnicos da Câmara de Leiria identificaram, na Área de Reabilitação Urbana do Centro Histórico, 120 edifícios devolutos e 8 degradados, estes “não cumprindo satisfatoriamente a sua função podendo fazer perigar a segurança de pessoas e bens”.

A primeira questão que importa considerar é a necessidade de se aprofundar a informação disponível sobre a situação existente nesta área da cidade, nomeadamente a evolução registada nos últimos anos, os efeitos da política autárquica de recuperação dos edifícios e a expectativa temporal de inversão da tendência das últimas décadas, mas esta é tarefa do Município e certamente todos vamos ter acesso a essa informação em tempo oportuno.

O que agora aqui importa é retomar a questão de fundo, infelizmente comum à generalidade das mais importantes cidades portuguesas atacadas por uma verdadeira epidemia, que não dá mostras de abrandar, e cujo antídoto custa a atuar. O estado em que se encontram os centros históricos resulta do efeito conjugado da opção por um modelo urbanístico baseado no desenvolvimento das periferias e na subvalorização das velhas áreas urbanas com perda significativa das funcionalidades que lhes eram tradicionais, resultante da criação de novas centralidades.

Sobre o tema muito se tem escrito e pouco se tem conseguido talvez porque tratando-se de uma verdadeira catástrofe as medidas adotadas pouco mais têm sido do que cuidados paliativos. Não se trata apenas de recuperar edifícios, trata-se de repovoar, de redinamizar comercialmente estas zonas, de lhes encontrar novas condições de habitabilidade e novas funcionalidades que lhes devolvam a vida perdida e assegurem a manutenção de um património construído e imaterial, ambos indispensáveis à conservação e valorização da identidade citadina.

Sabe-se que a maior parte dos edifícios são privados mas não se pode cair na tentação de julgar que este assunto pode ser resolvido pelos proprietários, nem é credível assentar a recuperação de áreas desta natureza recuperando edifício a edifício. O desafio só pode ser vencido com um esforço conjunto dos poderes públicos, dos proprietários, das instituições de crédito e do mercado, submetendo o interesse privado ao coletivo e tendo por base uma política autárquica arrojada, determinada e orientada para os resultados.

(texto publicado na edição de 14 de agosto de 2014)