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O meu diário: Pluralidade

Em minha casa sempre houve biodiversidade: gente de esquerda, gente de direita, benfiquistas e portistas. E nesse painel colorido criam-se laços de inclusão, que é pelo afeto que toleramos.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Em minha casa sempre houve biodiversidade: gente de esquerda, gente de direita, benfiquistas e portistas. E nesse painel colorido criam-se laços de inclusão, que é pelo afeto que toleramos.

No tempo antes do 25 de Abril o meu avô materno era da oposição ao regime e na altura tido como comunista e o meu pai, seu genro, era tido como pró-regime mais pela posição que ocupava do que pela ideologia. O meu pai, professor, era um dos muitos reitores de Liceu. Confesso que tenho algumas saudades de ser a filha do Sr. Reitor, menina bajulada pelos alunos e por todas as entidades que gravitavam à volta da escola.

O meu pai sempre foi um homem bom e justo e apesar de conotado com a direita tinha um sentido social enorme. Isso não obs­tava a que fosse um homem de rigor, austero na edu­cação e usasse por vezes métodos edu­ca­cionais que chocariam com a psicologia moderna, nomeadamente umas palmadas e umas reguadas (estas últimas mais em forma de ameaça).

Por outro lado, o meu avô sempre foi o meu ídolo, homem sem instrução certificada mas muito culto, empreendedor, entusiasta da vida, apaixonado pela família e anti-regi­me. Sempre me lembro de ver o meu avô a conspirar com o farmacêutico e de vez em quando haver um preso político fugido no sótão, o que nos impedia de ir para lá brincar. Lembro-me dos livros e dos panfletos proibidos que eu tentava decifrar e de achar que, se o meu avo também só tinha a 4ª classe como eu, como é que podia entender aquilo tudo?

Quando chegava o dia das eleições o meu pai fazia parte daquela minoria que votava e o meu avô nunca constava dos cadernos eleitorais. Isso não impedia que ambos convivessem harmoniosamente em frente do assado de domingo e gostassem muito um do outro. Mas na ausência do meu pai e quando ele me contrariava o meu avô aconselhava-me: Chama-lhe fascista.

Num junho, farta de vida de menina bem comportada resolvi montar uma banquinha: roubei um Santo António e plantei-me na rua a pedir uma esmolinha pro dito Santo de mão estendida. A filha do Sr. Reitor nestes propósitos! Na pequena cidade, a novidade depressa se disseminou e não demorou mais de meia hora a aparecer o meu pai a estragar-me o negócio. Não vos conto os pormenores, mas chamei-lhe várias vezes fascista.

(texto publicado a 6 de junho de 2013)