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Voluntariado. O tempo que doamos aos outros

São jovens adultos que estudam ou trabalham, mas uma agenda cheia não os impede de guardar tempo para apoiar causas importantes. Dos animais aos idosos, ou até mesmo ao povo da Guiné-Bissau, a ausência de proximidade ou diferença de culturas não são impedimento para ajudar. Quatro testemunhos diferentes de voluntariado que têm algo em comum – ajudar os outros importa, sim.

Um prato de comida para todos

Um amigo próximo de Bruno Barros, 26 anos, recorreu aos serviços da Refood (organização que recolhe o desperdício alimentar de vários restaurantes e supermercados e o transforma em refeições para pessoas carenciadas) e foi desta forma que o estudante das Caldas da Rainha soube desta organização.

Em janeiro de 2023, Bruno juntou-se aos cerca de 160 voluntários da cidade que doam duas horas por semana para garantir todas as refeições deste núcleo – um dos 60 que a Refood gere em todo o país.
Todas as segundas-feiras, às 19 horas, Bruno distribui os cabazes aos inscritos no programa de alimentação. Com o tempo, vai reconhecendo toda a gente.

“A maior parte das pessoas são famílias com vários membros, mas também várias famílias monoparentais. Há quem apareça sozinho, claro. Em termos de idade, no geral, são pessoas mais velhas, mas vale lembrar que as famílias têm crianças bebés. Ajudamos pessoas de todos os lados, essa é a sensação que tenho, depois de um ano na Refood”, diz.

O sucesso deste apoio é tal que “existe fila de espera para ter acesso aos cabazes”, afirma. Mas Bruno também sabe que “a vergonha em pedir ajuda impede muita gente de sequer se candidatar”. Os que vão acabam por estabelecer uma relação de confiança com os voluntários, reconhecem-nos na rua, cumprimentam-se, existe uma comunicação entre todos.

Fazer voluntariado não é novidade para Bruno, que começou por inscrever-se num programa de intercâmbio para Itália, onde ajudava a gerir um hostel. Mas, na Refood, é algo mais significativo, “especialmente, porque tive casos de pessoas queridas que precisavam e sei como os ajudou. Quero mesmo realçar como é importante o trabalho da organização, afinal, termos algo que comer muda tudo na nossa vida. Se virmos bem, são 160 pessoas a doar duas horas do seu tempo para o projeto, ou seja, 320 horas de voluntariado para garantir alimento a quem necessita e combater o desperdício. É uma luta muito válida”, afirma com orgulho. Para além de Portugal, a organização também se estabeleceu e Espanha e Itália.

Levar novas aprendizagens para a Guiné-Bissau

Ana Íris Almeida, de 19 anos, ainda é uma estudante de Economia na Universidade Nova SBA, mas já teve um breve papel enquanto formadora de professores, durante o voluntariado na Guiné-Bissau. A jovem rumou ao país africano no verão de 2023, para quase um mês de atividades integradas no programa da associação Guinanos.

O projeto foi criado em 2019, por um grupo de jovens que tem como objetivo melhorar a educação na ex-colónia portuguesa e, para isso, desenvolveram estratégias em várias frentes, como consultoria financeira, formação de professores, organização de doações, entre outros.

Ana já era voluntária a partir de casa, no departamento de eventos. Quando soube da missão no terreno não hesitou. Partiu num grupo de cinco pessoas, acabaram por ser “sete ou oito”, contando com os que já estavam na capital Bissau. O objetivo é que todos fizessem um pouco de tudo e foi o que aconteceu.

“Passei pela formação dos professores e também por agilizar a distribuição dos donativos consoante as necessidades de cada escola”, lembra a batalhense. Para além do calor e humidade da região, o choque cultural deixou marcas. “Eles funcionam muito a partir de subornos, como eles próprios nos contavam. As escolas privadas, a maioria, eram assim chamadas porque se pagava uma propina para lá andar, mas depois os professores nem sempre recebiam…situações que não entendíamos. Nas escolas públicas, nem sequer havia infraestruturas, os alunos estavam sentados num tronco, num amplo terreno e talvez tivessem uma sombra feita de latão. Esta era a realidade”, descreve.

A jovem admite que pensar nisso a fez reavaliar conceitos porque “tomamos como garantia tantas coisas, nem damos valor, e quando chegamos a lugares como estes percebemos que estas pessoas nem paredes têm e desejam mesmo estudar.”

Apesar de uma agenda bastante preenchida, Ana e a equipa conseguiram conhecer Ondame, outra cidade guineense, mas ficou muito por ver. No entanto, a vontade de Ana Íris em continuar por este caminho mantém-se: “Ainda estou a estudar, mas acredito que só vale a pena fazer algo profissional se for para ajudar os outros e esta missão ajudou-me a acreditar ainda mais nisso”.

Doar atenção a quem está esquecido

“Rafiki” significa “amigo” em suaíli e está imortalizado através da personagem do macaco feiticeiro e amigo de Simba, no filme de animação “Rei Leão”. Poderia ser só isso – que já era bastante – mas é também o nome escolhido para o projeto dos escuteiros que apoia e acompanha pessoas idosas isoladas em aldeias portuguesas há dez anos.

Laura Marques, de 20 anos, faz parte do “Rafiki” há seis meses e conta a sua experiência ao visitar uma aldeia do concelho da Sertã. “O projeto, que nasceu em Leiria, começa por identificar uma aldeia que precise de intervenção, ou seja, que tenha entre um a 15 habitantes. Costumamos pedir é a ajuda ao presidente da Junta de Freguesia para ir connosco, numa primeira visita, porque as pessoas geralmente têm muita dificuldade em abrir a porta aos desconhecidos. Estão completamente isoladas, se calhar, passam meses sem falarem com ninguém, não abrem a porta ao desconhecido qualquer”, diz.

Com essa ajuda para fazer as apresentações, o grupo de escuteiros, geralmente cerca de uma dezena e dois chefes, estabelecem um compromisso com o lugar e vão fazendo novas visitas, dividindo-se pelos habitantes. Relações de amizade e companhia são estabelecidas.

Na última visita, Laura recorda ter ido a uma aldeia de um grupo do ano anterior e “as pessoas que já tinham conhecido o nosso projeto ficaram super contentes. O ano passado, fizeram uma festa, um arraial, e este ano já estão a preparar um novo, já se conseguiram juntar”. Esta é uma forma de colocar também aldeias a “falar umas com as outras, porque nem sempre acontece”.

A jovem estudante de Enfermagem aderiu ao projeto não só pelo seu impacto social, mas também porque sabe que, na sua futura profissão, o contacto e a relação de confiança estabelecida com os doentes – muitos serão mais velhos – é uma mais-valia para um melhor tratamento.

No fundo, Laura foi trabalhar em si esse lado mais social, que não vem nos livros de Medicina e que só o contacto humano pode “ensinar”.

O Rafiki destina-se apenas a escuteiros a partir dos 18 anos e até aos 22, e só podem participar durante dois anos.

Diana Gaspar juntou-se à causa animal na Desprotegidos

Há cerca de ano e meio, uma família de gatos abandonados mudou a vida de Diana Gaspar, 24 anos. A jovem e a irmã resgataram-nos e dirigiram-se para uma clínica veterinária. Para seu espanto, souberam que alguém as ajudava com as despesas, sem que tivessem pedido: tratava-se da Desprotegidos, associação leiriense que cuida e protege animais e que já tinha auxiliado outras pessoas da mesma forma.

Este ato de generosidade estabeleceu uma ligação que dura até hoje, mesmo que Diana viva e trabalhe no Porto. Começou por ir ao abrigo aos domingos, dia do passeio e o mais ansiado pelos amigos de quatro patas.

A jovem sabe como é importante para cada um deles a possibilidade de ver um pouco do mundo exterior, ainda que se sintam protegidos na associação. “Faço questão de ir quando posso, eles esperam por aquele momento toda a semana”, diz.

O espaço é pequeno, contam com 25 animais e, explica, “com uma rede de famílias de acolhimento que nos ajuda muito, por exemplo, com os gatinhos, porque não temos gatil na associação”.

Diana não fez da distância uma barreira e é a pessoa responsável pela comunicação das redes sociais, “muitas vezes, a primeira porta das pessoas para o que fazemos”. “É importante que o faça bem para chamar mais pessoas para a nossa causa, mas nós não trabalhamos para o momento apenas. Apelamos para adoções responsáveis, para que sejam decisões feitas em consciência, não por impulso, como se sabe que muita gente faz”, diz, e acrescenta que “adotar é um ato de muita responsabilidade, é a nossa função transmitir toda a informação para que o animal faça uma boa integração e não seja devolvido. Isso é o pior”.

Para Diana, a melhor recompensa do empenho de recursos e tempo “é ver resultados”. “Quando começas a ver que estás a ter o retorno que esperavas, que os animais estão bem e as adoções acontecem, percebes que estás no caminho certo”, acentua a jovem, que continua a inspirar-se na “capacidade de resistência destas associações”.

“Muitas vezes não há dinheiro, não há meios, não há apoios e é graças à força de vontade das pessoas e o amor aos animais que a associação sobrevive. Podíamos todos aprender com estes exemplos”, salienta.

Texto de Ana Patrícia Cardoso