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Cultura

Há meio século que a cantadeira Teresa dá voz ao Rancho da Região de Leiria

Desde os 15 anos que a vida de Teresa Vieira Cova se entrecruza com a história do rancho de Leiria. Ao fim de 50 anos, diz que é como Amália: vai cantar com o grupo até que a voz lhe doa.

Maria Teresa Vieira Cova com a sua outra "família": o Rancho da Região de Leiria

Um tio conduzia a camioneta que transportava o rancho e um dia Teresa pediu-lhe para ir a um ensaio. Começou aí uma relação para a vida com o Rancho da Região de Leiria (RRL). Faltava às aulas de Geografia no Liceu para ir ver os ensaios, nos Franciscanos. Encostada à parede, cantarolava as modas. Certa vez distraiu-se e deu nas vistas. “Quando dei por ela, estava sozinha a cantar e o Manuel Artur Santos [fundador e ensaiador] disse logo para entrar”. Com 15 anos, entregou a voz à tradição da Alta Estremadura. Até hoje. José Vaz, recentemente desaparecido, chamava-lhe “a coluna vertebral” do grupo. Em 2022, Teresa Vieira Cova completa 50 anos como cantadeira oficial do RRL, cuja imagem ajudou a construir, sublinha a presidente da associação, Sandra Vaz: “Na região não há ninguém que se possa comparar. A Teresa é um elemento muito fidedigno do grupo”.

Não é para menos: em meio século, esteve sempre presente. “Se faltei a meia dúzia de ensaios foi muito. Tive o meu filho com 24 anos e, com oito dias, trouxe-o ao colo [aos ensaios]”, recorda Teresa. Vinham os dois do Moinho do Papel até ao Arrabalde da Ponte, onde o grupo se instalou, “ainda o Marachão não era nada do que é hoje”. O filho é o cantor João Miguel, elemento do rancho até aos 18 anos. “Depois foi à vida dele”, mantendo-se na música.

Para lá do RRL, Teresa gosta é de cantar. “Desde sempre. É uma festa para mim. Canto fado – cantei na inauguração da Prisão Escola -, de karaoke, música popular…”. No rancho, contudo, construiu a vida. “Foi aqui que conheci o meu falecido marido, foi aqui que casei, foi aqui que tive o meu garoto, foi aqui que me divorciei, foi aqui que me voltei a casar com uma pessoa que dança aqui”.

No ativo há elementos da fundação do grupo, 59 anos feitos há dias. Mas em continuidade, ninguém como Teresa. “Mantive sempre o mesmo entusiasmo. Aqui há gente boa, é como uma família”. Nunca se fartou por causa da música e do escape à rotina.

A cantar com o rancho, conheceu França, Alemanha e Portugal de norte a sul. Para não desiludir os emigrantes em França, “cantava de manhã, à tarde e à noite”, chegando a levar “muitas injeções de cânfora” – para a voz aguentar.

Aos 66 anos, reformada da tipografia Barata onde trabalhou 45 anos, Teresa Vieira Cova diz que é “como a Amália”. “Vou cantar até que a voz me doa. Quando vir que não tenho voz, encosto”. Mas Sandra Vaz vaticina-lhe ainda muitos anos de palco. “Está com boa voz e até deixou de fumar, porque sentia que não estava a chegar onde era habitual. Por aí se vê a dedicação”.

Por agora, Teresa está encantada por voltar a emprestar a voz ao rancho, após a paragem devido à pandemia. “Foi o pior momento nestes 50 anos”. Recentemente, cantou no Mercado da Tradição em Leiria e “não houve ninguém que não me dissesse ‘não há voz nenhuma igual à sua’. Para mim já foi muito bom [risos]”. E sonhos? “Gostava de ganhar o Euromilhões para oferecer um autocarro ao rancho e fazer aqui umas obras [na sede, nos Marrazes], para colocarem uma tabuleta com o meu nome quando morresse!”.

“Rolinha”, uma moda recolhida por António Oleiro no Soutocico, Arrabal, em meados do século passado – aqui interpretada e dançada num ensaio do rancho – é uma espécie de hino do Rancho da Região de Leiria. É a música que Teresa Cova mais gosta de cantar. Gosto da Rolinha, é a que me toca mais, “pela letra, pela melodia”. “Quando falece alguém nosso, é essa que cantamos no cemitério, como despedida. Com um nó na garganta, mas cantamos”.

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