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Ansiolítico urbano 2019. Mais um, por favor!

“Questiono: o alçado da Heróis da Angola vai ser bedelhado e o alçado-rio leva umas grelhas e encerra em definitivo a ideia de diálogo efetivo com o rio? Algo vai mal.”

 

ab@anabonifacio.com

 

Já lá vão uns anos e tinha, neste jornal, um espaço dedicado à aquietação de ânsias criadas por coisas da cidade. Desta ou de outras, mais ou menos contundentes, mas sempre afetantes do foro psicológico e agitantes da mala da memória. Ansiedades. Uns quantos caracteres conjugados e, por este meio, talvez se conseguisse um efeito apaziguador e, com sorte, relaxante.

Até conto a ideia primordial que lhe foi pretexto: Numa empresa pública em que trabalhei, um dia, propus criar um espaço dedicado ao alívio das ansiedades laborais. Ora, viessem elas das hierarquias ou dos territórios, as haviam. Fazia falta um espaço onde se pudesse dar murros num saco de boxe, bramir pelo chefe, dormir mini-sesta depois de dois dias sem ver a cor dos lençóis ou fazer Pollocks repetidos em parede própria. D-E-N-I-E-D! Nem do ‘patamar’ acima passou. Passei a escrever o ansiolítico urbano. Sabe-se que não surte qualquer efeito prático. O mundo gira e não muda um cabelo. Outros terão terapêutica para as mesmas ânsias a assobiar para o lado ou a resmungar para dentro. Cada um cura-a como pode.

Numa vinda recente a Leiria, soube de uma notícia, no mínimo, “neuro-cristalizante”. Ui! Ainda perguntei a fontes fiáveis “É mesmo verdade?…” Eis um (velho) tema: Rodoviária de Leiria. Foi isto: Dei com o site dos autores do novo projeto para o edifício do terminal rodoviário. Apresenta imagens tridimensionais da futura intervenção, bem como um breve texto explicativo. Não sendo minimamente relevante o meu gosto pessoal, gostava apenas de recordar que este edifício e respetivas funções encerram questões que extravasam, em muito, a esfera da arquitetura. São três abordagens que importa considerar: estratégica, urbana e, claro, a da arquitetura.

Sobre a estratégia (de desenvolvimento territorial), cai-me o desconsolo de confirmar que dali, a plataforma de partida e chegada que me viu ir e vir vezes sem conta, não arreda pé. Os problemas desta opção estão mais do que identificados e nenhum plano de mobilidade urbana poderá dizer estratégia diferente se o terminal rodoviário não ‘rodar’ da Heróis de Angola.

Sobre a questão urbana (para falar da relação com a envolvente imediata) relevo a particular afinidade com o Marachão e a longa fachada de vidros partidos que enternecem de tanta andança terem feito fazer. Uma ambiguidade de beleza e decadência do alçado quase fazem preterir a questão da permeabilidade urbana. A verdade é que sempre reclamei por ela na relação do edifício com o espaço público. Ora, este projeto novo, às tantas, diz: “O alçado sobre o Marachão será também reabilitado à sua configuração original sendo introduzido um sistema de grelhagens metálicas para ventilação do Terminal.”

Arquitetura, aqui, por favor! Podemos falar do que ela podia fazer – resolver bem, por exemplo – mas não faz. Ainda desfaz. Questiono: o alçado da Heróis da Angola vai ser bedelhado e o alçado-rio leva umas grelhas e encerra em definitivo a ideia de diálogo efetivo com o rio? Algo vai mal.

Este edifício (Camilo Korrodi, 1956) está consignado no PDM como “património referenciado como de interesse patrimonial por parte do Município de Leiria” e em duplicado. Ou seja, como património arquitetónico e como parte integrante do conjunto patrimonial do Plano do Marachão.

Caro Município de Leiria – o interessado decretado na lei vigente –, será isto pouco para rever uma eventual posição sobre o futuro deste bocado pertinente desta cidade pertinente?