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rosto do médico psiquiatra Sérgio Martinho

Sérgio Martinho

Médico psiquiatra

serg.m.martinho@gmail.com

Exclusivo

Evocação de Camus

Os livros são equações que transformam seres em casas. Mais do que outra coisa, a casa é o sítio para onde se volta. A sua utilidade é um acto: regressar.

É certo que até o mais nobre destino dos homens não passa de um espectáculo no palco da natureza. No entanto, no asfalto dos letreiros luminosos declinados e das cortinas que já só desvendam sombra, há ruínas de metal cuja lembrança dói ainda como uma segunda-feira. Esperar mais cinco minutos, arrastar mais dez minutos; soerguer e pôr os pés no dilúvio, levantar e encarar a catástrofe. Não essa catástrofe que nos diz que alguma coisa aconteceu — conquanto seja essa a despesa fúnebre de todos os despertares —, mas essa que, por outro lado, só não se anuncia porque já lá está, como antes, e se continua, e se estende e se prolonga, assemelhando-se a uma obscenidade de um miúdo de laço, filho da órbita dos planetas. A catástrofe de ter de continuar. O mundo continua e boceja sobre a desgraça que escandaliza os frágeis olhos dos homens.