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Gira aos 40: O meu pai e eu

Há dez anos a minha vida mudou.

Sofia-francisco
Sofia Francisco, professora giraaosquarenta@gmail.com

Há dez anos a minha vida mudou. Há dez anos, aquando o primeiro AVC, o meu pai implorou-me que não o deixasse sozinho no, até então desconhecido, Hospital dos Covões. Há dez anos eu deixei de ser a Sofia, menina do papá, para ser a Sofia, filha crescida do Sr. Manuel.

Até aí ele sempre tinha tomado conta de mim, tentando proteger-me de tudo e todos (tarefa nem sempre bem conseguida, graças a Deus) e sempre me ajudou em tudo. A partir daquele dia, fui eu que comecei a protege-lo, a dar-lhe forças, a contrariá-lo sempre que ele diz que é melhor morrer. E foi também a partir desse dia que eu comecei a forçar-me a beijá-lo mais vezes porque, inacreditavelmente, eu sempre tive uma espécie de vergonha de beijar espontaneamente o meu pai.

Há quarenta anos atrás parecia normal esse afastamento, essa ausência de toque, como que existisse um certo pudor em mostrar o amor que se sentia pelos filhos. Mas o assunto foi ultrapassado e se hoje falo dele é apenas para dizer, a quem interesse, que nunca é tarde e que vamos sempre a tempo de mimar quem amamos.

E não sou só eu que penso assim. É que agora, o meu frágil pai quer recuperar o tempo perdido. Esten­de-me os braços, pede-me beijinhos e quer miminhos. Eu tenho aprendido a dei­xar-me ir e, nos instantes em que nos abraçamos, fecho os olhos, tenho oito anos, e sou Sofia, menina do papá outra vez.

(texto publicado na edição de 12 de setembro de 2013)