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O meu diário: Árvores

Gosto de árvores. Tenho uma árvore em cada canto do país e aviso toda a gente que aquela árvore é minha.

Helena-vasconcelos
Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Gosto de árvores. Tenho uma árvore em cada canto do país e aviso toda a gente que aquela árvore é minha. De tal maneira que os meus filhos me avisam quando acham que cortaram a minha árvore de Coimbra, ou que não estão certos que a de S. Pedro de Moel ainda lá esteja. Quase sempre se enganam, que as árvores são coisas sólidas e robustas e ninguém as deita abaixo de qualquer maneira. Quando passo pelos sítios saúdo-as e sorrio, afinal ainda lá estão. Escolho-as pela altura, pela frondosidade dos ramos, pela originalidade da copa. Pela forma como se abanam ao vento ou como se expõem ao sol. Escolho-as como se escolhe um amor, sem racionalidade, apenas porque sim.

Sendo atenta à ecologia, estou longe de ser fundamentalista, pelo que este amor não tem nada que ver com o pulmão do planeta ou tão pouco com o ecossistema.

Gosto de coisas sólidas, duradouras e estáveis.

Sou pouco árvore porque gosto de vida de andarilho e delicio-me a ver novas terras. Se não fosse tão racional já tinha mudado de terra várias vezes. Mas as terras onde vivi são minhas do coração.

Duas árvores são o meu porto de abrigo: uma tília em casa dos meus pais, que visito pouco, mas é o lugar para onde vou quando a vida me hostiliza e o sobreiro do meu quintal que me olha todos os dias e me parece chamar à razão. Porque corres tanto? Fica aqui a viver devagar. E lembro-me dos escritores que trocavam árvores por salões de vaidades e se colocavam na sua sombra para se sentirem seguros e abraçados: Namora, Jorge Amado e tantos outros.

Os meus pais têm uma casa na aldeia e no terreno da frente jaz uma piscina rodeada por um matagal de árvores, mais um bosque denso do que uma casa de lazer. Num destes verões eu e o meu irmão, congelados na água da piscina em pleno agosto, resolvemos chamar o meu pai à razão. Não pode ser tanta árvore, o sol não entra aqui e a água não aquece. Combinado o fuzilamento. Pai, esta , esta e mais esta têm de ser cortadas. O homem racional, concordou. Quando lá voltei estava tudo quase na mesma só com uns ramitos desbastados. Então pai? Ainda não chamaste ninguém para as cortar ? Chamar, chamei, mas não tive coragem. Sabes, são como se fossem da família. Fiquei calada.

(texto publicado na edição de 8 de agosto de 2013)