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O meu diário: Azeitonas

Fui apanhar azeitona. Não sei se fruto da crise se da psicologia de voltar às origens, fomos pela primeira vez colher a azeitona.

Helena-vasconcelos
Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Fui apanhar azeitona. Não sei se fruto da crise se da psicologia de voltar às origens, fomos pela primeira vez colher a azeitona. Fiz um curso de formação com as minhas auxiliares do serviço habituadas a estas andanças. Mantas, ripadores, técnicas de embalamento, normas do lagar, de tudo fiquei informada. O meu marido, por outro lado, como homem que é, comprou tudo que é máquina e bateria, e instrumento agrícola. Verba que daria para comprar azeite durante dez anos mas que sem dúvida será rentabilizada (conversa habitual de homem). Não conseguimos obter quórum dos mais novos, todos eles com compromissos escolares, desportivos e sociais inadiáveis. Também lhes desagrada o frio da Beira Baixa e a casa sem aquecimento central e outras mordomias. Tirei dois dias de férias e lá fomos. Levantar pela manhã e vestir uma enormidade de roupa que a geada é muita. Preparar o farnel para comer no campo e pés ao caminho. Trabalhar até ao por do sol e apanhar, recolher baixar e levantar mais de 1000 vezes por dia e ficar a pensar porque raio vão as pessoas aos ginásios. Descobrir que temos músculos em sítios improváveis que não me lembro de estudar em anatomia. Perdermos a cabeça dentro dos ramos de uma oliveira e não pensar em mais nada senão em céu, árvores, erva e geada, e bolinhas de várias cores. Correr atrás de uma azeitona que rola para fora da manta como se aquela dentro das milhares que apanhamos é que fizesse a diferença e olhar desoladamente para as que ficaram esquecidas lá no cimo da oliveira e pensar que pena, que falta nos faziam no saco. Passar o serão a retalhar azeitonas e olhar para as mãos mesmo com luvas e imaginar como é vai ser possível voltarem à cor original e o que vão os doentes pensar deste aspeto.

Três dias de trabalho árduo por quatro pessoas renderam 1000 quilos de azeitona, e um prazer imenso que a minha profissão não me dá de produzir alguma coisa. A vida do campo é dura mas mentalmente muito saudável.

Fiquei fã e voltarei para o ano, até porque é preciso rentabilizar o material.

(texto publicado na edição de 12 de dezembro de 2013)