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O meu diário: Motorista

Há alguns anos bastaria ser assessora de terceira para me ser adjudicado um motorista. Tenho esta sina de estar sempre fora de tempo.

Helena Vasconcelos, Médica hml.vasconcelos@gmail.com

Das coisas que mais levianamente poderia desejar se me saísse o euromilhões era ter um motorista. Não que não goste de conduzir, embora tenha de confessar que já gostei muito mais, mas por aquele conforto de não ter de estacionar, de não ter de pensar onde fica o carro, pela possibilidade de poder ir tratando de assuntos enquanto alguém me conduz.

Um motorista discreto, aprumado e seguro. Daqueles dos bombons que advinha os nossos pensamentos, tolera as nossas manias, caprichos e maus humores Mas com a crise instalada e com o diminuir de mordomias, que de resto aprovo na totalidade, só mesmo o euromilhões poderia ser a solução. Há alguns anos atrás bastaria ser assessora de terceira para me ser adjudicado um motorista. Tenho esta sina de estar sempre fora de tempo.

Escrevo-vos de Angola onde estou com a ONGD Atlas numa missão de apoio a crianças de um orfanato. Como devem saber, em Luanda o trânsito é caótico. A estrada de uma via tem três filas para cada lado, ultrapassa-se preferencialmente pela direita e a prioridade é concedida ao mais esperto. Os peões comportam-se de uma forma que mais parece que estão a tentar o suicídio. Aparecem donde menos se espera e a uma velocidade que contraria o ritmo africano. O trânsito não flui e chega a demorar três horas para percorrer meia dúzia de quilómetros.

Fomos acolhidas generosamente em casa de amigos portugueses, mas a mobilidade teve de ser adquirida. Sendo assim, “vai a gente” alugar um carro. Na hora de escolher, a senhora da agência pergunta com ou sem motorista? Hesitei… é agora, é agora e foi mesmo. Todos foram unânimes: não se safam sem motorista. Foi assim que o Sr. Pedro ficou o nosso motorista.

A nossa postura é completamente democrática visto que ocupamos sempre o lugar da frente ao seu lado. E é vê-lo todo aprumado de fato e nós todas desgrenhadas, empoeiradas, atafulhadas de sacos e saquinhos com toda a espécie de coisas para levar aos nossos meninos. É vê-lo discreto, mas com uma reprovação contida quando o mandamos ir pela picada ou insistimos sair em sítios mais arriscados. Deve pensar o que fazem estas malucas europeias a tentar mudar o que não tem remédio.

Mal ele sabe que o meu sonho de rica era ter um motorista.