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O meu diário: Natural

Explico que tudo muito natural carrega alguma penugem no buço e uma data de pêlos nas pernas. Aí o natural cai por terra.

Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

Estou cansada de tudo o que é natural. A começar pela beleza e a acabar nos comprimidos. Porque é que tudo o que é natural tem de ser necessariamente bom e o artificial malévolo? Quando pergunto o que estão a tomar respondem são uns comprimidos naturais, inofensivos. Como se a natureza não fabricasse os seus venenos fatais e os medicamentos mais maravilhosamente eficazes não tivessem saído de síntese laboratorial.

Nos ícones de beleza também o natural merece unanimidade: pergunta a rapaziada se as abonadas partes de cima de algumas senhoras são naturais ou de silicone. Eles gostam do conceito de favorecimento superior, mas já agora natural de preferência. As rugas também não são simpáticas, porém a forma de as tratar dá um aspeto artificial. Explico que tudo muito natural carrega alguma penugem no buço e uma data de pêlos nas pernas. Aí o natural cai por terra. Ninguém gosta do artificial, mas se lhe chamarmos sofisticado já ninguém se importa, já é cool, já é fashion.

Estimam-se no mundo inteiro centenas de transplantes hepáticos causados por medicamentos naturais incluindo chás, alegadamente bonzinhos. Mas a reputação está aí e não há quem a manche. Quando um fármaco provoca um sintoma por mais inocente que seja todas as agências de vigilância colocam nos jornais, atiçados pela concorrência, de tal forma que se chegam a matar medicamentos muito interessantes por banalidades. Se um chá ou uma drageia colorida com 50 plantinhas lá dentro conduz alguém para uma cama de hospital a coisa fica quase sempre por ali, restrita ao círculo daquela pessoa e amigos.

Quando me chegam com o rótulo carregado de dizeres botânicos fico transtornada. Não percebo rigorosamente nada de hipericão ou bétula canadiana e muito menos de cardo do Nevada.

Abaixo o natural: salve-se o iogurte e a água.

(texto publicado a 10 de janeiro de 2013)