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O meu diário: Sofrimento

Fico sempre a imaginar o que pensam os meus doentes quando me vou embora, quando me afasto, quando ficam na sua intimidade.

Helena-vasconcelos
Helena Vasconcelos, médica hml.vasconcelos@gmail.com

O sofrimento é o estado mais disseminado que conheço. E é servido a todos em doses mais ou menos abundantes e de uma forma mais ou menos reiterada, embora tenda a ser superior naqueles que achamos que deveriam ficar fora da jogada. E o respeito pelo sofrimento, tem de ser a nossa postura. Superar esse sofrimento é o que nos torna mais ou menos guerreiros nesta vida. Se pudesse abolir o sofrimento era uma medida que tomaria sem hesitar.

Cheguei devagar e esmagada pela noticia. Por muitos anos que tenha de experiência nunca sei como falar. E fico sempre a imaginar o que pensam os meus doentes quando me vou embora, quando me afasto, quando ficam na sua intimidade. Medem e avaliam cada uma das minhas palavras de forma minuciosa, medindo cada sílaba milimetricamente. E eu sei que se digo um tumorzito, a palavra é dissecada, e é, após o choque, uma lufada de ar fresco e uma janela de esperança. E mais do que lhes tirar a doença eu gostava de lhes tirar o sofrimento, de lhes deixar encostar a cabeça e dizer que os compreendo, que estou do lado deles, que podem contar comigo. Desta vez a pessoa era da família e eu não podia mostrar fraqueza. Vamos a isso, vamos à luta, vamos vencer. Mas tenho um medo enorme de perder, de não ser capaz, de transparecer o pânico que me vai na alma, de não conseguir.

Deus estará do nosso lado. Mas quem conhece a vontade de Deus, os seus planos, os seus desígnios? Nem sempre a sua vontade parece ser igual à nossa vontade.

Eu não vou morrer pois não? Claro que não, se depender de mim, se depender de ti se depender de nós. E aqui recordo todos em que fui emissária da desgraça e não soube dar a esperança merecida.

(texto publicado na edição de 10 de outubro de 2013)