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Plataformas avariadas impedem advogada de aceder a sala de audiências no Palácio da Justiça

Avarias constantes limitam o acesso dos cidadãos com mobilidade reduzida ao tribunal. Problema está identificado e deverá ser ultrapassado em 2019 com a construção de um elevador.

A situação é recorrente, do conhecimento dos responsáveis e transtorna todos aqueles que com mobilidade reduzida pretendem aceder ao Palácio de Justiça de Leiria.

Na semana passada, à semelhança do que tem acontecido por várias vezes nos últimos meses, as duas plataformas elevatórias existentes no tribunal voltaram a avariar.

Eliana Dias, advogada de Leiria, que se desloca em cadeira de rodas eléctrica, devido a nanismo diastrófico e paraplegia, não pode confirmar presença na chamada da sessão de audiência que estava a acompanhar. “Em todas as vezes [que vim ao Palácio], constatei que a plataforma elevatória que permite o acesso no piso superior, local onde são feitas as chamadas, se encontrava inoperacional, nunca tendo, por esse motivo, utilizado a mesma”, conta.

A funcionária judicial acabou por se deslocar ao piso inferior e confirmar a presença da advogada, tratando de providenciar também a mudança da sala de audiências.

Em situações anteriores, como alternativa, as audiências são transferidas para a sala de audiência, onde também é necessário que os cidadãos com mobilidade reduzida utilizem uma plataforma ou em outras salas existentes no rés do chão. Ou então, as pessoas são transportadas em ombros ou de maca, como já aconteceu.

A plataforma principal parou, no dia anterior à visita de Eliana Dias ao tribunal, quando transportava um cidadão até ao piso superior. A avaria foi comunicada e o papel afixado: “Não mexer em nenhuma circunstância”.

 A exercer advocacia desde 2013, Eliana Dias só no ano passado, 48 meses depois, completou o estágio, que deveria durar apenas 24 meses. “O facto de ter excedido o prazo máximo [para concluir o estágio] ficou a dever-se, em boa parte, às dificuldades de acessibilidade que se fizeram sentir junto dos edifícios onde decorriam as diligências. As mencionadas dificuldades e obstáculos arquitectónicos que me impediram, não raras as vezes, de intervir e patrocinar os clientes do escritório da minha patrona, verificaram-se não só nos edifícios onde se encontram instalados os juízos e secções existentes na Comarca Judicial de Leiria, como concomitantemente nos edifícios onde se encontram instaladas a PSP e a GNR”, explica.

As dificuldades de operacionalidade e as constantes reparações das plataformas estão mencionadas no capítulo “Necessidades: equipamento e instalações”, do Relatório semestral da Comarca de Leiria (janeiro a junho 2018). “Este edifício é composto de vários pisos, obrigando a reparações constantes e sucessivas das plataformas elevatórias existentes, o que, ao longo dos anos, se revelou ser um sorvedouro de recursos financeiros e totalmente ineficaz”.

Só em deslocações para as empresas fazerem orçamentos para reparar o equipamento, refere o administrador judiciário da Comarca de Leiria ao REGIÃO DE LEIRIA, são gastos “400 euros por empresa”.

 

“Em todas as vezes [que vim ao Palácio], constatei que a plataforma elevatória que permite o acesso no piso superior, local onde são feitas as chamadas, se encontrava inoperacional, nunca tendo, por esse motivo, utilizado a mesma”.

Balcões elevados dificultam acesso

A solução para o problema também consta do relatório e identifica que “urge providenciar-se pela colocação de uma plataforma vertical”, isto é, um elevador, para permitir o acesso entre os vários pisos. O novo acesso aos serviços existentes no Palácio da Justiça deverá acontecer em 2019, segundo informações que o Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça avançou à Comarca, em julho passado.

Mas a existência de escadas e a falta de plataformas ativas não são as únicas barreiras arquitectónicas que Eliana Dias encontra no principal edifício de justiça em Leiria. “Quem, como eu, com mobilidade reduzida, necessitar de aceder aos sanitários adaptados, ter de solicitar a chave ao balcão dos serviços ou junto do segurança do Palácio da Justiça. Ao contrário dos restantes sanitários abertos ao público em geral, incompreensivelmente, os que se destinam a pessoas com mobilidade reduzida estão fechados, obrigando todos aqueles que careçam de os utilizar de ‘apregoar’ a necessidade íntima e fisiológica a terceiros. (…) tal situação, que considero desprovida de senso e facilmente solucionável, atenta grosseiramente contra a preservação da vida íntima e privada das pessoas”, defende.

O Palácio da Justiça não é caso único. “Todos os edifícios onde se encontram sediados os juízos e secções da nossa comarca têm os balcões a uma altura excessiva. Ultrapasso esta dificuldade geralmente solicitando o auxílio de quem se encontra por perto para fazer notar a minha presença junto dos funcionários”, explica a defensora, de 28 anos, que não consegue aceder a estruturas acima de 1,20 metros.

António Nolasco, administrador judiciário da Comarca de Leiria, disse ao REGIÃO DE LEIRIA que não estão previstas mais obras para eliminar barreiras arquitetónicas no Palácio da Justiça, à excepção do elevador e da “construção provisória de um plataforma metálica para acesso à sala de audiências do rés-do-chão”.

Também há bons exemplos

Já no juízo local cível, no antigo edifício do Banco Nacional Ultramarino, junto ao Mercado de Santana, em Leiria, a entrada é toda ela uma barreira, conta. “A entrada principal tem dois degraus e uma porta estreita,  os quais são precedidos de outros dois degraus no interior. Obstáculos que somente consigo transpor com recurso a ajuda de terceiros, em regra, mais do que uma pessoa visto que a cadeira eléctrica é pesada. Mais uma vez dependo da boa vontade e solidariedade de quem se encontra na rua ou até mesmo dos funcionários que se disponibilizem nesse sentido”, justifica.

A advogada já chegou a recusar ser transportada ao colo, até uma sala de audiências no primeiro andar. “Admito que consegue ser pouco dignificante e até humilhante ter que ser levada ao colo, expondo a minha condição, sujeitando-me desnecessariamente a situações que acarretam riscos físicos, não só para mim mas para todos aqueles que manifestem vontade de ajudar. (…) Trata-se de uma solução de ‘desenrasca’ que impede de chegar ao cerne do problema: a necessidade de suprir efectivamente as barreiras físicas que obstam a que os cidadãos deste Estado de Direito Democrático possam viver numa sociedade em que o princípio igualdade consagrado no art. 13º da nossa Constituição não seja mera literatura”, defende.

Ainda assim, Eliana Dias também aponta bons exemplos: a adaptação e acessibilidades no edifício do antigo liceu, onde se encontram instalados juízos e secções da comarca, e o Tribunal Administrativo e Fiscal. 

A “luta” não é de agora. “Numa altura como esta o conceito de ‘inclusão’ não deveria ser apenas um vocábulo, mas uma realidade patente e tácita. Sempre me debati para me inserir e ter acesso a um percurso escolar como o de qualquer outra criança/jovem, nunca olvidando as minhas necessidades e dificuldades. A necessidade de batalhar pela integração manifestou-se igualmente quando acedi ao ensino superior, subsistindo, a outro nível, agora na minha vida profissional. Porém, jamais deixarei de o fazer pois, tal como qualquer cidadão que não padeça de nenhuma condicionante física, tenho, e exijo o reconhecimento por parte de todos, do direito a exercer a profissão que escolhi”, conclui a advogada leiriense.

Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt

2019

O Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça autorizou a Comarca de Leiria a avançar com o projeto para a construção de uma plataforma vertical, em 2019, solucionando o constante problema de avarias das plataformas e reparações constantes.

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