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Leiria

ClimAdaPT.Local: Leiria tem um plano para travar alterações climáticas

Ondas de calor, chuvas intensas e ventos fortes são cenários a que o concelho de Leiria não escapa. Para tentar travar as alterações climáticas e atenuar os seus impactos, o Município desenvolveu um plano de adaptação com 54 medidas prioritárias.

Os fenómenos relacionados com erosão, galgamento e inundação costeira, são preocupantes na Praia do Pedrógão

 

Parece quase ironia: a tempestade Leslie passou por Portugal no dia que as Nações Unidades dedicam à Prevenção das Catástrofes Naturais (13 de outubro). E provou, mais uma vez, que o país não está preparado para enfrentar graves intempéries, mas sobretudo que as alterações climáticas chegaram para ficar. Avisos não faltam.

Ano após ano, a região de Leiria tem sido também vítima da revolta da natureza. Aumento das temperaturas, chuvas intensas, redução da pluviosidade e ventos fortes têm contribuído para a ocorrência de incêndios, ondas de calor, subida do mar, secas e cheias, afetando a saúde e qualidade de vida das pessoas bem como sectores importantes da economia.

O concelho de Leiria deu o primeiro passo e é pioneiro na aprovação do Plano Municipal de Adaptação às Alterações Climáticas de Leiria (PMAAC-L), documento que tem sido desenvolvido nos últimos dois anos no âmbito do projeto ClimAdaPT.Local.

Além de caracterizar o território e identificar medidas de adaptação e de intervenção, traça cenários pouco animadores. Basta referir que “a atual temperatura média do planeta é 0,85ºC superior à do século XIX”, que “as três últimas décadas foram as mais quentes desde 1850, ano em que começou a haver registos” e que “se as emissões continuarem dentro das tendências atuais, o aquecimento pode chegar a 4,8ºC até 2100”.

A par de ondas de calor extremo mais frequentes e mais longas, chuvas torrenciais mais intensas e frequentes, antevê-se uma possível subida do mar em mais de 80 centímetros (cm) nos próximos 80 anos.

Para travar este processo, será necessário reduzir globalmente as emissões de gases efeitos de estufa (GEE) “na ordem dos 50% em relação aos valores atuais”, pelo menos até 2050, sustenta o documento, que vai ao encontro da posição assumida por diversas organizações ambientalistas.

Sabe-se que “as atividades humanas são a principal causa do aquecimento observado”, mas muitos desconhecem que “um eventual aumento de 2ºC em relação à temperatura registada no período pré-industrial é considerado como o limite a partir do qual existe um risco muito elevado de ocorrerem consequências ambientais significativas à escala mundial, eventualmente com uma dimensão catastrófica”.

 

O que está mudar

Ondas de calor

Subida da temperatura média anual, nomeadamente das máximas, ondas de calor mais frequentes e intensas e aumento do número de dias muito quentes e de noites tropicais

Chuva intensa

Aumento da precipitação no inverno e redução nas outras estações e aumento dos períodos de chuva intensa embora mais curtos

 Vento forte

Aumento de eventos extremos de precipitação, cheias e ventos fortes

Subida do mar

Subida no nível médio do mar

Mais secas

Diminuição global da precipitação e aumento da frequência e severidade das secas. No final do século, a redução da precipitação total anual projetada é de -14 a -18%

Considerando que o território de Leiria é “especialmente vulnerável às alterações climáticas”, o Município de Leiria assumiu a necessidade de adotar medidas cautelares que reduzam a exposição a vários riscos.

Segundo o plano, toda a população residente nas freguesias rurais do concelho é sensível a incêndios florestais, correspondendo a mais sensível a 25,6% da população. Já as cheias ameaçam particularmente 5,9% da população concelhia, residente sobretudo ao longo das bacias hidrográficas dos rios Lis e Lena e das ribeiras de Sirol e Milagres, nas freguesias de Leiria, Pousos, Barreira e Cortes e de Marrazes e Barosa. No litoral, os fenómenos relacionados com erosão, galgamento e inundação costeira, são preocupantes na Praia do Pedrógão, onde residem cerca de 400 pessoas.

O plano dá também conta dos eventos climáticos extremos, com impactos e consequências significativas, registados nos últimos 15 anos: 14 estiveram relacionados com ondas de calor e 13 com precipitação excessiva.

Toda a população residente nas freguesias rurais do concelho de Leiria é sensível a incêndios florestais

O território de Leiria é “especialmente vulnerável às alterações climáticas”

Algumas das 54 ações de adaptação prioritárias já estão em curso

Aprovado a 9 de outubro de 2018 pela Assembleia Municipal (dias antes da passagem da tempestade Leslie), o PMAAC-L, apresentado publicamente na sexta-feira da passada semana, prevê a execução de 54 ações de adaptação a curto e médio prazo (ver lista). Algumas já foram iniciadas, como é o caso da construção do jardim da Almuinha Grande, os arranjos exteriores da área envolvente do Castelo de Leiria e principais acessos, elaboração de projetos para reabilitar o percurso Polis, e incluem a requalificação do edifício do Mercado Municipal, das piscinas municipais e dos Paços do Concelho.

O plano contempla ainda a criação de um parque verde na Quinta do Alçada e de uma unidade dos Bombeiros Municipais em prontidão na área de Colmeias e Memória, a implementação de um programa municipal de incentivos à melhoria do conforto térmico do parque habitacional, a elaboração de um guia municipal de arborização, do cadastro florestal municipal e da cartografia de risco municipal, a proteção e valorização da Lagoa da Ervedeira, o alteamento da Ponte das Mestras e da ponte ferroviária sobre o rio Lis, a construção de um mergulhante no promontório, a requalificação da frente marítima do Pedrógão e a recuperação das Salinas da Junqueira.

Um aumento de meio grau (o,5ºC) de temperatura faz toda a diferença. Manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C significa uma diminuição das pessoas expostas a ondas de calor, chuvas fortes, secas, tempestades e inundações. O limiar de 1,5°C irá poupar a maioria das espécies de plantas e animais das consequências das alterações climáticas. Comparado com o limiar de 2°C, manter o aquecimento global abaixo de 1,5°C significará que o aumento do nível do mar poderá ser 10 cm abaixo do esperado até 2100″

Contra o aumento da temperatura

  • Amenização térmica sazonal da Praça Rodrigues Lobo e imediações
  • Intervenções urbanísticas de amenização térmica do espaço público
  • Criação de espaço verde na Quinta do Alçada
  • Arranjos exteriores da área envolvente do Castelo de Leiria e principais acessos
  • Elaboração de projetos para o Percurso Polis – Leiria
  • Jardim da Almuinha Grande
  • Instalação de sistema de monitorização contínua do clima urbano
  • Programa municipal de incentivos à melhoria do conforto térmico do parque habitacional
  • Guia para a melhoria do desempenho térmico e energético das habitações
  • Programa de sensibilização da população residente em zonas de risco climático mais elevado (multilingue)
  • Requalificação e reabilitação do edifício dos Paços de Concelho
  • Requalificação do edifício do Mercado Municipal
  • Reparação e requalificação de Piscinas Municipais
  • Elaboração do guia municipal de arborização
  • Atribuição do prémio municipal de ‘Produtor florestal do ano’
  • Elaboração de um plano municipal de intervenção para a erradicação de espécies invasoras lenhosas
  • Elaboração do cadastro florestal municipal
  • Inventário de plantas a reproduzir no horto municipal
  • Elaboração da cartografia de risco municipal
  • Criação de uma unidade dos Bombeiros Municipais em prontidão na área de Colmeias e Memória
  • Levantamento atual e plano de replantação das faixas adjacentes a vias de comunicação
  • Intervenção de limpeza e regularização fluvial do rio Lis (troço Leiria – Monte Real)
  • Intervenção de proteção e valorização da Lagoa da Ervedeira
  • Apoio municipal financeiro e/ou fiscal à produção, comercialização e vulgarização de raças e espécies autóctones
  • Dinamização de ensaios em zonas-piloto do Vale do Lis para demonstração da adaptabilidade de novas espécies hortofrutícolas

Contra a chuva intensa e vento forte

  • Elaboração de um Plano de Gestão de Risco de Cheias
  • Alteamento da Ponte das Mestras e da ponte ferroviária sobre o rio Lis
  • Criação de mecanismos de retenção temporária de água
  • Elaboração de um estudo hidrológico, considerando cenários de alterações climáticas
  • Execução de descarregadores de cheia no rio Lis e afluentes
  • Implantação de mecanismos de retirada de inertes de coletores de encosta
  • Reabilitação dos coletores de encosta

Contra a subida do nível do mar

  • Reabilitação e manutenção da defesa aderente
  • Construção de um mergulhante no promontório
  • Reforço do cordão dunar Sul do promontório
  • Implementação do PIP – Plano de Intervenção na Praia Marítima do Pedrógão
  • Alimentação artificial de areias na frente urbana, a Norte e Sul do promontório
  • Centro Azul – Pedrógão
  • Requalificação da frente marítima do Pedrógão
  • Plano de sensibilização da população para os riscos costeiros
  • Programa de monitorização da orla costeira de Leiria

Contra secas mais severas

  • Prémios municipais de uso hídrico eficiente na utilização agrícola, industrial e residencial
  • Ações de sensibilização da população sobre o consumo racional da água e a utilização racional do sistema de drenagem de águas residuais domésticas e pluviais
  • Criação de novas zonas de medição e controle (ZMC)
  • Telemetria – medição de consumos de água
  • Plano municipal de valorização da rede municipal de aprovisionamento de água – obras de instalação de um sistema separativo
  • Criação de um programa municipal de incentivos à eficiência hídrica dos edifícios
  • Reabilitação de condutas do sistema de abastecimento de água
  • Adução aos sistemas de Maceira e Cortes – criação de sistemas redundantes
  • Projetos piloto de recarga artificial de aquíferos
  • Implementação de um plano municipal de segurança da água
  • Cadastro e monitorização das redes de rega no concelho de Leiria (independentes da rede pública de água)
  • Implementação e divulgação regular de um plano de monitorização da qualidade da água para abastecimento público
  • Recuperação das Salinas da Junqueira

Plano identifica oito territórios vulneráveis prioritários

Com uma área de 0,4 km2, o Centro Histórico é apontado como o local onde o efeito de ilha urbana de calor é mais intenso, um terço da população é mais vulnerável, os edifícios são mais antigos, e as ondas de calor constituem um risco para a saúde e qualidade de vida dos residentes.

O mesmo sucede na zona de Sismaria/Quinta do Alçada, onde residem cerca de 4.800 pessoas, numa área com cerca de 0,7 km2. Já na Praia do Pedrógão, onde moram cerca de 400 pessoas (população fixa), o perigo reside na subida do nível das águas do mar, agitação marítima, ventos fortes e ondas de calor.

Quem vive na praia dificilmente esquecerá o 26 de setembro de 2013, quando o mar destruiu o cordão dunar, os passadiços e parte do paredão junto à rotunda, e o 2 de fevereiro de 2014, quando a tempestade Hércules originou ondas de cinco a seis metros, agravando a destruição do cordão dunar.

As inundações já foram frequentes na Ponte das Mestras. O caso mais grave data de 25 de outubro de 2006, quando a precipitação intensa e o transbordo das águas do rio Lis provocaram cheias que obrigaram à evacuação da zona

As inundações já foram frequentes na Ponte das Mestras, zona onde confluem os rios Lis e Lena e onde reside meia centena de pessoas. O caso mais grave data de 25 de outubro de 2006, quando a precipitação intensa e o transbordo das águas do rio Lis provocaram cheias que obrigaram à evacuação da zona.

Monte Real também não escapa ao risco de inundações, decorrentes da precipitação excessiva. Quem vive perto recordará as intempéries de outubro de 2006, que obrigaram ao corte de estradas, e de 11 de fevereiro de 2014, quando o caudal do rio provocou o rombo das margens, inundando as Termas.

Os campos do Lis também foram fortemente afetados. Com cerca de 2.145ha, a área abrangida pelo aproveitamento hidroagrícola do Vale do Lis está ainda sujeita à seca, como sucedeu em 2012, tendo então ficado comprometidos cerca de 70% das pastagens.

Já a zona interior/serra do concelho denota uma “alta probabilidade de ocorrência de fogos florestais” – recorde-se os incêndios de outubro de 2004, agosto de 2005 e setembro de 2011. As Matas Nacionais (Pedrógão, Urso e Ravasco) continuam vulneráveis apesar dos incêndios de 2017 terem reduzido a área florestal no concelho de Leiria, de 3.005ha para pouco mais de 560ha.

(Texto originalmente publicado na edição do REGIÃO DE LEIRIA de 18 de outubro de 2018)

Martine Rainho
Jornalista
martine.rainho@regiaodeleiria.pt

Joaquim Dâmaso
Jornalista
joaquim.damaso@regiaodeleiria.pt

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