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Cultura

“Festival em tempos de pandemia” revela no Museu do Vinho um Cistermúsica que fica para a história

A fotógrafa Sara Leonardo acompanhou a fundo a edição 28 do festival de Alcobaça, a primeira realizada em pandemia. Até 30 de agosto é possível ver uma seleção de imagens.

Sara Leonardo entre duas das imagens em destaque na exposição instalada na Adega dos Balseiros

O renovado Museu do Vinho de Alcobaça acolhe até 30 de agosto o resultado da participação de Sara Leonardo no festival Cistermúsica 2020. Ela não esteve propriamente em palco, mas andou um pouco por todo o lado, documentando em fotografia os efeitos da pandemia no festival de música de Alcobaça.

Na Adega dos Balseiros revela-se uma fração das milhares de fotografias que Sara Leonardo captou num Cistermúsica que resistiu ao cancelamento, adaptando-se profundamente às exigências da pandemia.

“Fomos o festival mais importante que decorreu no ano passado, cumprindo todas as regras. E o que fica aqui espelhado, independentemente da memória de cada um, é um arquivo”, disse o diretor do Cistermúsica, Rui Morais, na inauguração da exposição, dia 8 de julho.

Foi uma edição atípica e por isso mesmo Sara Leonardo esteve muitas horas a acompanhar o que mudou num dos festivais de música mais relevantes do país: desde quem o organiza aos músicos, sem esquecer, claro, o público. “Queria documentar como é que as pessoas se iriam adaptar a toda esta situação”, explicou.

A intenção era apresentar a exposição “com tudo isto que temos aqui já passado”. “Infelizmente [a pandemia] ainda existe, mas espero que possamos olhar para este projeto e possamos pensar que ele fez parte da nossa vida, mas que já faz parte do passado”, afirmou Sara Leonardo.

“Festival em tempos de pandemia” tem a ambição de ser também livro e Rui Morais revelou que o festival procura financiamento para o lançar ainda este ano.

A exposição “é a primeira parte de um projeto mais ambicioso, que se centra sobretudo num livro, que queremos que seja de grande qualidade, onde o trabalho da Sara vai ser apresentado de outra forma [com textos de João Neves], para ficar uma memória do que foi fazer este grande festival em contexto de pandemia”, avançou o diretor. Livro esse que, acrescentou Sara Leonardo, “é que vai contar realmente a história do festival”, cuja 28ª edição ficou registada como a primeira realizada em pandemia.

A imagem das cadeiras alinhadas antes de um dos concertos, como “uma parada militar”, é das mais marcantes da exposição patente no Museu do Vinho de Alcobaça

Sara Leonardo: “Havia uma certa apreensão”

A fotógrafa Sara Leonardo acompanhou quase todos os espetáculos da edição de 2020 do Cistermúsica para o projeto “Festival em tempos de pandemia”. Há três anos a residir na Nazaré, abraçou o desafio que a levou a acompanhar muitas horas do festival de Alcobaça, fotografando público, artistas, bastidores, espaços e organizadores.

O que é que sentiu de diferente entre a edição do ano passado e edições anteriores do Cistermúsica?
Senti uma grande vontade de quem está a trabalhar, de levar este festival para a frente com tanto desafio. Só quem está por dentro é que realmente se apercebe o quão desafiante é trabalhar com todas estas questões que temos agora com a pandemia. Essa foi a grande diferença. Nos outros anos vi que era trabalhoso, que era árduo, mas toda a gente estava bem engrenada e tudo era familiar. Aqui, tudo era novo. Fazer tudo o que já conhecíamos, mas de uma forma diferente. 

Notou entusiamo entre o público?
Sim, as pessoas estavam ávidas de ter uma vida “normal”. E também em quem organiza, porque é um acontecimento para todos que trabalham no festival ele acontecer nesta altura do ano. Tinha havido todos os constrangimentos e, até, a sensação de que poderia não haver festival; quando perceberam que ia existir, as pessoas revelaram-se com vontade, com garra, com iniciativa. 

Fotografou quantos concertos?
Quase todos, menos o primeiro e um de jazz. E não fotografei a dança. Mas o objetivo não era fotografar tudo. O relevante era fotografar os elementos que existem em qualquer concerto. A ideia era ter a essência do festival e não fazer um compêndio de todos os concertos. 

Entre as muitas horas que acompanhou o Cistermúsica 2020, assistiu a algum momento stressante por parte da organização de um festival onde, apesar da experiência de quem o organiza, havia processos totalmente novos?
Acho que não. As pessoas estavam realmente felizes por estarem neste projeto. Claro que houve contrariedades…

Por exemplo, o gesto novo para os músicos, de estarem fora do palco de máscara e em palco com máscara, gerou alguma dificuldade?
Era cansativo, stressante, e depois estávamos no verão, tudo isto era novo. Trabalhar com máscara é muito cansativo e isso notava-se, para todos, no final do espetáculos. Na noite Non Stop – que foi online – senti uma solidão, uma quietude, um silêncio, que era espantoso, porque é um festival e normalmente há o barulho do público. Apenas estavam os produtores, os músicos e mais ninguém no Mosteiro [de Alcobaça]. Tudo aquilo nos dava um bocadinho de tristeza. 

A comunicação entre público e músicos também encontrou na edição de 2020 do festival a primeira manifestação dessa nova barreira, a máscara obrigatória para os espectadores. Conseguiu perceber essa dificuldade?
Sim, era tudo novo e eles olhavam para nós e como não tinham reação, essa ligação, era bastante difícil saber se o público estava a gostar do trabalho que os músicos estavam a fazer ou não. Havia uma certa apreensão, uma tensão. 

Entre as imagens todas da exposição, há alguma mais especial para si?
A inicial, porque as cadeiras [alinhadas], como escreve João Neves [autor dos textos do livro a publicar], só fazem lembrar um batalhão, uma parada militar. É a imagem que acaba por ser mais icónica. Depois tenho estas duas [do início do texto], tiradas nos bastidores, onde há sempre um frenesim antes de chegar ao palco, porque existe a música, o som, eles a falarem uns com os outros. Numa ainda não foram para o palco e noutra foram para o palco e a sensação que tive foi a de que, depois disto, talvez haja uma saída destas portas todas que estamos a passar e que haja uma liberdade maior.

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