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Saúde

Gaguez “ainda é um tabu” com muitos mitos por desfazer

No Dia Internacional de Consciencialização para a Gaguez, recuperamos os esclarecimento de Daniela Vieira, terapeuta da fala, sobre esta perturbação da comunicação que afeta cerca de 1% da população

Natural da Batalha, Daniela Vieira, licenciada em Terapia da Fala pela Escola Superior de Saúde de Leiria, era em 2019 a única profissional do distrito com especialização europeia em Perturbações da Fluência. Uma formação que iniciou em 2018 depois de constatar existir “pouca resposta para esta população no distrito”.

Terapia da Fala pode ajudar a reduzir as disfluências da linguagem

Na sua prática clínica, que exerce na Batalha e em Valado dos Frades, Daniela Vieira diz acompanhar tantas crianças, quantos adultos, desde os 3 anos de idade aos 45 anos.

Confirmando os dados avançados pela Associação Portuguesa de Gagos (APG), que estima que a gaguez afete cerca de 1% da população, a especialista realça contudo que nem todas as disfluências em crianças pequenas significam gaguez.

“Muitas crianças com 3 e 4 anos ainda estão a assimilar como usar a linguagem e passam por um processo de disfluência transitória quando estão a adquirir vocabulário e a construir as primeiras frases”, explica ao REGIÃO DE LEIRIA. A situação afeta em média 5% das crianças, e a maioria recupera espontaneamente.

No caso da gaguez, há sinais de alerta que merecem particular atenção, nomeadamente quando persistem mais do que seis meses. A tensão muscular ou o esforço ao falar, o piscar dos olhos ou maior pressão dos lábios são algumas características que não devem ser desvalorizadas, refere Daniela Vieira, acrescentando que as pessoas gagas têm consciência da sua dificuldade e “sentem que perdem o controlo da fala”.

Na maioria dos casos, a gaguez surge até à adolescência, e “raramente em sequência de lesões provocadas por um acidente vascular cerebral (AVC)”, nota.

Há muitos mitos sobre a gaguez, muitas dúvidas. É um tabu para muita gente (…) As pessoas que gaguejam sabem perfeitamente o que querem dizer, mas têm dificuldade em expressá-lo no plano da fala”

Daniela Vieira, terapeuta da fala


Também “não está identificada ou provada qualquer relação entre um susto e a gaguez”, embora possa influenciar, como acontece com o stress e o nervosismo.

Quanto a tratamentos, deixa claro que “a gaguez não tem cura”, embora possa ser reduzida com a terapia. “O terapeuta da fala pode ajudar a reduzir as disfluências e o impacto que a gaguez tem na vida da pessoa”, e que não é pouco.

Como um iceberg

Daniela Vieira costuma comparar a gaguez a um iceberg, em que a parte visível corresponde aos bloqueios, repetições, prolongamentos e outras dificuldades no discurso, enquanto a parte submersa representa o impacto que as pessoas sentem, as suas emoções e a interpretação que fazem das reações das outras pessoas.

E é nestas duas vertentes que o terapeuta intervém, pelo que quanto mais precoces forem o diagnóstico e a intervenção maiores serão as probabilidades de melhoria.

No Dia Internacional de Consciencialização para a Gaguez, que se assinala a 22 de outubro, é também tempo de desfazer mitos. E um dos maiores, segundo a especialista, é sugerir que a gaguez tolhe o pensamento. Ora, “as pessoas que gaguejam sabem perfeitamente o que querem dizer, mas têm dificuldade em expressá-lo no plano da fala”, sublinha a especialista.

Joacine Katar Moreira, eleita deputada à Assembleia da República, corroborou no programa “Gente que não sabe estar”, conduzido por Ricardo Araújo Pereira. “Eu gaguejo quando falo, não gaguejo quando penso”, rematou.

Daniela Vieira destaca ainda a variabilidade como outra característica da gaguez, explicando que uma pessoa pode ser, por vezes, muito disfluente, e noutras nem tanto. “Estar numa situação diferente ou sob stress, ter outros ou muitos interlocutores” podem, por exemplo, agravar o problema.

E como podem os interlocutores ajudar? “Demonstrando uma atitude de compreensão e atenção pelo que a pessoa diz e não pela forma como o diz”, não tentando terminar as suas frases, ou respondendo do mesmo modo que responderia a um discurso fluente”.

O que é a gaguez
A gaguez é uma “perturbação da comunicação que se manifesta sobretudo pela dificuldade em falar fluentemente”, em que a pessoa sabe exatamente o que quer dizer mas o seu discurso é caracterizado por repetições, prolongamentos, pausas não esperadas e bloqueios em que o som de fala é interrompido, segundo é referido no site da Associação Portuguesa de Gagos.

Gaguez afeta 1% da população
Cerca de 1% da população mundial tem gaguez, o que corresponde a mais de 68 milhões de pessoas em todo o mundo. Estima-se que afete cerca de 100 mil pessoas em Portugal.

Sexo masculino mais afetado
Os homens são quatro vezes mais afetados por esta perturbação da comunicação do que as mulheres. E segundo a Associação Portuguesa de Gagos (APG), cerca de 5% de todas as crianças passam por um período em que o seu discurso tem “repetições, pausas, bloqueios e prolongamentos”.

Várias causas
As causas podem ser várias, podendo resultar de um conjunto de fatores: hereditários (calcula-se que “60% das pessoas com gaguez têm um familiar com gaguez”), neurológicos ou psicossociais (relacionadas com o meio envolvente, a forma como a família lida com a gaguez e o desenvolvimento linguístico na infância).

Intervenção precoce
O recurso a um terapeuta da fala com experiência em intervenção em gaguez é essencial e recomendado se a situação persistir. Quanto mais precoce for a intervenção, maiores serão as hipóteses de sucesso e melhoria da fluência. Em muitos casos, a gaguez está associada a outra perturbação da linguagem ou atraso no seu desenvolvimento.

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