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Leiria Exclusivo

Um livro para memória futura sobre as tradições das freguesias de há 30 anos (re)vistas hoje

O investigador Acácio de Sousa recupera um levantamento feito há mais de três décadas sobre as tradições religiosas e profanas e as ementas das freguesias do concelho de Leiria, numa edição que procura interpretar e rever o que ainda subsiste na atualidade.

“Em termos gerais, vive-se muito melhor e não há as necessidades que havia antigamente”, conclui Acácio de Sousa, a propósito da edição de “Concelho de Leiria - Manifestações populares de tradição”, que recupera a investigação feita há 32 anos

Há 32 anos, Acácio de Sousa, Orlando Cardoso e Gentil Ferreira e Sousa percorreram o concelho, freguesia a freguesia – ainda eram 29 -, num levantamento patrimonial preparatório para o Plano Diretor Municipal de Leiria. O diagnóstico realizado durante ano e meio nunca foi publicado. Até que, durante o confinamento, Acácio de Sousa descobriu em casa, dactilografado, o resultado desse “trabalho empírico profundo”. A ele coube perscrutar o património etnográfico e, agora, resolveu rever, atualizar e reorganizar a informação então recolhida, editando-a em livro. “Concelho de Leiria – Manifestações populares de tradição”, lançado pela Hora de Ler, trata das manifestações populares de caráter profano e das de caráter religioso e ainda das ementas tradicionais de cada freguesia, tanto para dias de trabalho como de festa.

Registo de memória, o livro é “despretensioso, quase um diretório”, explica Acácio de Sousa, que nele elenca e procura explicações para o que existia e para o que subsiste. Este repositório do património imaterial de Leiria permite tomar o pulso ao que mudou em três décadas. “Das manifestações de caráter profano, a maior parte delas caiu”. Subsiste o Enterro do Bacalhau, “mas desapareceram as serrações da velha”. Também na Boa Vista e Ortigosa sobrevivem as Maias, no 1º de maio, “tradição da primavera, não do 1º de Maio laboral”. Mas perdeu-se a tradição das alcachofras, “símbolo de vigor e rejuvenescimento”: depois de queimadas nas festas, eram oferecidas à rapariga ou rapaz por quem havia interesse amoroso. “Se voltasse a florir, era amor seguro; se não voltasse a florir, ‘chapéu’”.

Num território cuja tradição foi pautada pelo tempo mítico e solar e pelo calendário agrícola, as manifestações festivas serviam para “sobreviver e conviver”. “E a convivência ajuda à sobrevivência”, sublinha Acácio de Sousa.

O individualismo, a falta de tempo e o caráter comercial que as festividades tomaram, fizeram desaparecer várias delas, até algumas de caráter religioso.

A mudança de hábitos e de oferta – “hoje temos a agricultura industrializada e os hipermercados” – reflete-se na alimentação. Antes comia-se muito peixe de rio, sobretudo nas freguesias ribeirinhas. Mas essa dieta quase desapareceu. Em 30 anos, alguns pratos tornaram-se totalmente desconhecidos ou memória vaga. Mas casos há em que “algumas ementas foram recuperadas e aparecem como prato principal em restaurantes”.

Nesta visão global e comparativa, percebe-se o progressivo recuo da ruralidade, por exemplo em Marrazes, Pousos ou Cortes. “Trinta anos é um curtíssimo para a análise social, mas as mudanças são muito grandes”. No bom sentido, diz o historiador:

“Devemos ter atenção a muita coisa, mas não sou catastrofista. Globalmente vivemos melhor do que viveram os nossos pais e os nossos avós e esperamos que os nossos filhos vivam melhor do que nós”.

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