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Crónicas do quinto império: O Fado

Isto de ser português tem que se lhe diga. A um tempo pacatos e trabalhadores, honestos e empreendedores, humildes mas garbosos, melancólicos e simpáticos, pobres mas limpinhos, temos tido a sorte… de ter sempre pouca sorte.

Joaquim Ruivo, professor jruivo2@sapo.pt

Isto de ser português tem que se lhe diga. A um tempo pacatos e trabalhadores, honestos e empreendedores, humildes mas garbosos, melancólicos e simpáticos, pobres mas limpinhos, temos tido a sorte… de ter sempre pouca sorte.

Não admira que o Fado seja criação nossa. Quem mais poderia cantar essa canção triste e arrastada, em que se expressa na mesma toada uma certa felicidade por tanto sofrer? (Embora desse melancólico Fado, tão genuinamente português, brotem por vezes dramas terríveis onde, por exemplo, a mulher traída mata o amante perdulário).

Alguns portugueses sempre tiveram uma consciência aguda das nossas limitações. Julgo ter sido o padre António Vieira que escreveu em pleno séc. XVII que nós éramos os “cafres da Europa”, querendo com isto significar – por similitude com os “cafres de África” – os mais atrasados, incultos e explorados.

Mas este desgoverno dos portugueses não tem sido também indiferente a observadores externos. À semelhança do que ainda hoje muito boa gente pensa – que há certos povos que pelas suas condições de “desenvolvimento civilizacional e cultural” ainda não estão aptos e preparados para usufruir da democracia – nos princípios de 1925, o embaixador britânico em Lisboa (representando portanto uma nação com um dos sistemas parlamentares mais consolidados do mundo) escrevia para Londres com alguma displicência que o sistema parlamentar português já estava morto e que um tal sistema era “perfeitamente inadequado, sob muitos aspetos, às nações latinas”.

E o que pensará neste séc. XXI alguma da Europa sobre a nossa situação económica e a necessidade de resgate? Que mais uma vez, coitados, não nos soubemos governar.

Talvez pensem em surdina o que nós continentais pensamos da Madeira. Que depois de anos de desperdício e despesas sem sentido, depois de anos de uma economia também preocupada em alimentar e satisfazer clientelas partidárias, corruptas e nepotistas, é verdadeiramente o povo que deverá sacrificar-se para que o país não se afunde.

De todos nós pensará a Europa que gastámos e vivemos acima das possibilidades. Mas as nossas interrogações tendem a ser cada vez mais outras: onde estão os que gastaram e onde estão os que usufruíram? Porque é que continuamos a gastar e só alguns a usufruir? E porque é que agora todos temos que pagar o que também só por alguns foi desperdiçado?

(texto publicado a 7 de dezembro de 2012)