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Saúde

Faltam 53 médicos para que centros de saúde da região funcionem bem

O centro do distrito sofre de uma quase crónica falta de médicos na rede de cuidados de saúde primários. A emigração, o sistema de ocupação de vagas e a falta de vontade política são algumas das razões evocadas pelos próprios médicos para o problema

As contas são da entidade que gere os cuidados de saúde primários da região: faltam 53 médicos para que o sistema fique a funcionar em pleno. O problema não é novo e parece agudizar-se à medida que o tempo passa.

Veja-se o caso que chegou recentemente ao Parlamento português. No primeiro dia deste mês, três deputados do BE questionaram o ministro da Saúde sobre o caso vivido por “uma mulher grávida de dezasseis semanas que aguarda ainda consulta de saúde materna” no Centro de Saúde Dr. Arnaldo Sampaio, em Marrazes, Leiria, uma unidade que integra o Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Pinhal Litoral.

Esta é a entidade que gere os centros de saúde dos concelhos de Leiria, Batalha, Porto de Mós, Marinha Grande e Pombal. A primeira consulta, recordam os parlamentares, deve acontecer até às 12 semanas. Mas com esta utente, essa consulta ainda não tinha acontecido. Este é um caso que se junta a episódios relativamente recorrentes e que deixam perceber que os recursos são escassos. Basta atender que, nesta região, são cerca de 40 mil os utentes sem médico de família. Afinal, por que razão faltam médicos na rede de cuidados de saúde primários na região?

As explicações variam. Médicos que conseguem melhores salários no estrangeiro e a rotatividade própria de uma região que é escolhida por clínicos do norte do país, para entrar no sistema, são algumas das razões apontadas por Pedro Sigalho, diretor executivo do ACES PL. É o próprio que refere que o quadro deste agrupamento de centros de saúde prevê 174 médicos de Medicina Geral e Familiar (MGF). Contudo, são 147 os que estão ao serviço e, destes, 139 a trabalhar. E só 121 pertencem ao quadro.

Em suma, explica, “para ficar tudo ‘certinho’, precisamos de 53 médicos de MGF”. E deixa o aviso: “atenção às reformas nos próximos quatro a cinco anos”. Ou seja, a classe continua a envelhecer, as reformas vão chegar e o número de clínicos corre o risco de cair. Em simultâneo, a população não pára de envelhecer e, obviamente, de pressionar o sistema.

Sem faculdades de medicina no distrito, esta é uma região com um índice de médicos por cada mil habitantes inferior à média nacional. De facto, em 2016, o país contava com 4,9 médicos por cada mil habitantes. Na região de Leiria esse rácio era de 2,3. Ou seja, menos de metade. E mesmo o concelho de Leiria não estava muito melhor (3,5) e em evidente contraste com as áreas metropolitanas de Lisboa ou Porto (6,3 e 6,7, respetivamente) ou com Coimbra (11,5). E que implicação têm estes números?

De acordo com alguns clínicos ouvidos pelo REGIÃO DE LEIRIA, ajudam a explicar a rotatividade de médicos que aqui se regista. Em suma, os clínicos do norte são geralmente mais bem classificados – são também do norte as faculdades de medicina com médias mais altas de entrada – nos cursos e consequentemente levam vantagem quando concorrem às vagas abertas.

Tentam colocação o mais próximo possível da sua zona de residência. “Se até há dois ou três anos a maior parte das vagas postas a concurso não era preenchida, mais recentemente essa situação inverteu-se e a nossa região passou a ser escolhida por médicos de família recém-especialistas da região norte, onde há excesso de médicos”, aponta Rui Passadouro, presidente do Conselho da Sub-Região de Leiria da Ordem dos Médicos.

Contudo, “logo que tomam posse planeiam aproximar-se da sua zona de residência, preterindo os nossos centros de saúde”, acrescenta. Por outro lado, “os médicos que formamos nas unidades de saúde do ACES PL veem-se obrigados a escolher outros locais, fora da sua área de residência e de formação”. Em suma, “acabamos por perder os médicos que formámos”.

“Um colega do Porto concorre, por exemplo, a uma vaga no ACES PL. A lei prevê que fique seis meses, mas depois voltam à terra”, aponta António Sales, médico e deputado do PS na Assembleia da República. Este eleito por Leiria explica, contudo, que a legislação está a ser alterada no sentido de alargar o período em que o clínico tem de permanecer onde foi colocado, esticando o prazo para três anos.

Esta disparidade geográfica entre a residência e a colocação dos clínicos gera algumas situações aparentemente contraditórias. Porto de Mós é um dos concelhos carenciados. Contudo, isso não implica que um médico aí residente possa, automaticamente, trabalhar na sua terra. O caso foi relatado recentemente pelo jornal O Portomosense: Pedro Silva, médico de 30 anos a residir no concelho gostaria de trabalhar na sua terra como médico no sistema público.

Transmitiu a vontade de ocupar uma vaga em aberto no concelho, mas viu o pedido recusado, em prol da transparência do processo de colocações. Mas por lá, os médicos continuam a faltar. José António Silva, médico e deputado (PSD) eleito por Leiria, considera que o principal problema é a falta de vontade política para o resolver.

“Não abrem vagas” aponta. Efetivamente, “esta é uma zona apetecível, mas não há é médicos”. É, explica, o resultado de um ciclo vicioso alimentado pela falta de disponibilidade do Ministério das Finanças para suportar a contratação de novos médicos. “O Governo não só não tem colocado médicos como há os que estão a deixar o sistema por aposentação”. E deixa o exemplo: “resido numa freguesia que há 20 anos tinha dois médicos de família e tinha metade da população que tem hoje. Atualmente tem um só médico”. 

Região “pouco atrativa” para os médicos 

As assimetrias na distribuição de médicos a nível nacional continuam a afetar Leiria, nomeadamente o ACES PL. E nem a abertura de vagas consegue atrair candidatos. Porquê? António Sales, deputado eleito por Leiria à Assembleia da República e membro da Comissão Parlamentar da Saúde, admite não ter resposta. “Não sei responder, ainda por cima sendo Leiria uma região atrativa com boa qualidade de vida”.

Refere contudo que existem atualmente cerca de 700 médicos indiferenciados – são médicos que fizeram exame de ingresso no internato médico mas não entraram por falta de vagas mantendo-se sem formação especializada.
Ainda assim, não estão no “desemprego”, e prestam serviço maioritariamente em serviços de urgências, enquanto aguardam a abertura de novas vagas para prosseguirem a sua formação.

Mas porque é que não abrem então mais vagas? Segundo António Sales, compete à Ordem dos Médicos (OM) fixar o número de vagas para ingresso no internato médico. “A OM é a entidade que determina as idoneidades e capacidade formativa dos serviços e que diz que aquele serviço deve ter cinco ou 20 vagas. Comunica posteriormente à Administração Central dos Serviços de Saúde que publica posteriormente as vagas”.

De acordo com a legislação em vigor, “a definição do número de vagas tem em consideração as necessidades previsionais de pessoal médico especializado em cada área profissional, a nível nacional e em cada região”.

Mas será o aumento de vagas em Medicina determinante para inverter as lacunas registadas? Rui Passadouro admite que “o aumento da oferta de médicos pode, em teoria, colmatar muitas das carências”. “No entanto, temos assistido à saída de muitos recém-especialistas para a medicina privada e/ou emigrando, por ser mais atrativo em termos de remuneração e, sobretudo, devido às melhores condições de trabalho.

A emigração não é um problema para os médicos, mas sim para o Serviço Nacional de Saúde, já que os médicos portugueses têm uma formação de excelência e são facilmente aceites em qualquer país”, refere. 

 

Carlos S. Almeida
Jornalista
carlos.almeida@regiaodeleiria.pt

Martine Rainho
Jornalista
martine.rainho@regiaodeleiria.pt

O que são as USF?
As Unidades de Saúde Familiar são pequenas unidades operativas dos Centros de Saúde, constituídas por equipas multiprofissionais que garantem, com autonomia funcional e técnica, um plano assistencial a uma população determinada, ao nível dos cuidados de saúde primários.

O que são as UCSP?
As Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados têm uma estrutura idêntica às previstas para as USF, prestam cuidados personalizados, garantindo a acessibilidade, a continuidade e a globalidade dos mesmos. São compostas por médicos, enfermeiros e assistentes técnicos, não integrados em USF.

O que é o Centro de Saúde?
É a unidade básica do SNS para atendimento e prestação de cuidados de saúde à população. Nele trabalham médicos de Clínica Geral e de saúde pública (delegados de saúde) e enfermeiros, que prestam cuidados de saúde essenciais, preventivos ou curativos. Integram extensões de saúde (ES), unidades periféricas.
Fonte: DGS, Portal da Saúde

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