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Desporto

“Clubes terão de fazer uma grande ginástica, para fazer face ao aumento dos prémios dos seguros”

A poucas semanas do início das provas distritais, Manuel Nunes, presidente da Associação de Futebol de Leiria, passa em revista as prioridades e revela preocupação com o aumento dos custos para os clubes

Foi eleito em junho para um terceiro e derradeiro mandato à frente da Associação de Futebol de Leiria (AFLeiria). Com que perspetivas parte para este mandato?
O nosso objetivo é aumentar o número de praticantes, ter mais clubes na certificação de entidades formadoras, desenvolver os cursos de treinadores, incrementar a captação e a retenção de árbitros e continuar a lançar projetos, como fizemos recentemente com o Walking Football. As perspetivas seriam as melhores, mas já estamos a começar o mandato com problemas inesperados.

Que tipo de problemas?
Como é sabido, os prémios dos seguros são uma componente muito importante para a prática desportiva e, contra a nossa vontade, vamos ter de aumentar os valores para a nova época. As seguradoras estão a acusar uma elevada sinistralidade, o que leva a que os seguros desportivos, que já são relativamente dispendiosos, aumentem 50% na próxima época [2023/2024] em Leiria. Temos prémios dos mais baixos do país, mas ainda assim é um aumento considerável. O seguro desportivo de um jogador, que custava 59 euros, vai passar a custar 84euros… Protestámos, mas não há alternativa. As seguradoras não têm interesse neste nicho de mercado e afastam-se do futebol.

E que impacto tem esse aumento na vida dos clubes?
Os clubes terão de fazer uma grande ginástica, com ajuda das famílias e das Câmaras para fazer face ao aumento dos prémios dos seguros desportivos. Da nossa parte, vamos ver se é possível, em ligação com a Federação Portuguesa de Futebol (FPF), garantir alguma ajuda aos clubes para atenuar este aumento nos custos de inscrição. Parece que os clubes andam sempre a arranjar dinheiro para pagar tudo. É o seguro, é a inscrição, é o exame médico, os equipamentos, deslocações…

E a ideia que passa é que há uma Federação rica e clubes pobres…
Essa ideia pode passar, porque o orçamento da FPF para este ano foi de 106 milhões de euros, o que é um volume muito grande, sobretudo tendo em conta que o Instituto Português do Desporto e da Juventude (IPDJ) tem um orçamento de 44 milhões para todas as modalidades. O crescente sucesso das Seleções Nacionais, ao estarem presentes nas fases finais dos Europeus e Mundiais, aumenta as receitas de forma exponencial. Mas a FPF está atenta e, por isso, apresentou o Programa Crescer 2024, que alocou 18 milhões de euros para ajudar associações e clubes para reabilitar infraestruturas e na digitalização, entre outras áreas. Nestes dois anos, no distrito de Leiria foram destinados 390 mil euros, que foram distribuídos por 15 clubes.

Mas é suficiente esse apoio?
Considero que tem havido a preocupação, por parte da FPF, de atribuir verbas para o mundo do futebol. Foram feitas reuniões com todas as associações distritais e foram definidas três prioridades: dar resposta às necessidades ao nível das instalações desportivas, o recrutamento e retenção de árbitros e o reconhecimento do chamado estatuto de dirigente desportivo benévolo, de forma a que o dirigente possa ter o trabalho que desenvolve no clube ser compensado de alguma forma. Seja através de uma majoração em sede de IRS, no tempo de serviço para efeitos de reforma ou até como justificação para ausência no posto de trabalho quando ao serviço do clube. Estas propostas seguiram para o anterior secretário de Estado do Desporto [João Paulo Correia], mas entretanto houve mudança de Governo e o processo parou. Neste momento, as Câmaras são o principal parceiro no que diz respeito a investimento no desporto, porque o Estado está estagnado a este respeito.

Há críticas de alguns clubes, que se queixam da exigência no processo de certificação. Fazem sentido essas queixas?
O processo de certificação aparece em 2014, com o grande objetivo de colocar os clubes dentro da lei, respeitando a legislação. E a exigência e complexidade dos processos tem decorrido de forma progressiva, até em ligação com o licenciamento dos clubes. Creio que somos a única associação do país que atribui um prémio financeiro aos clubes, de acordo com o nível de certificação, o que representa 24 mil euros/ano. O que se pretende é melhorar o futebol por dentro. Há uns anos, a arbitragem era o assunto em 99,9% das conversas dos clubes com a associação. Hoje em dia, falamos de futebol e de desenvolvimento da modalidade. Tem havido uma atitude pedagógica junto dos clubes, este instrumento é bom e até devia ser aplicado no âmbito do IPDJ noutras modalidades. Na época passada, passámos de 67 para 74 clubes filiados que se candidataram ao processo e isso é importante para dar uma imagem de seriedade às autarquias e às famílias, no sentido que os clubes cumprem os requisitos.

Nota-se um clima de crispação no futebol jovem. Como solucionar o problema?
O que sentimos é que o aumento de estado de crispação coloca em causa o desenvolvimento do futebol. Há estudos que indicam que a violência associada ao futebol subiu, num ano, de 30 para 40% no número de casos de comportamento indevido do público e isso é altamente preocupante. Isto também causa maiores dificuldades no recrutamento dos árbitros, porque muitos deles estão a aprender e estão a ser enxovalhados por quem está na bancada e devia estar, apenas, a desfrutar do jogo do filho ou da filha. Temos alguns programas, como o Saber Estar no Futebol, que foi inovador quando foi lançado, e queremos lançar mais atividades desse género, sensibilizando as famílias para a necessidade de adotarem comportamentos responsáveis nos recintos desportivos. Na formação é importante trabalhar o processo e não o produto. O que queremos é que os clubes trabalhem a longo prazo, que não tenham muita preocupação em serem campeões de infantis ou iniciados, mas que percebam que o jogador tem uma evolução muito grande e que há jogadores que aos 14/15 anos estão maturados e que há outros jogadores que só mais tarde chegam ao máximo das suas capacidades.

“A União de Leiria é um bom exemplo de como é possível articular clubes e SAD”

Em seu entender, é possível compatibilizar a existência de clubes e SAD, mesmo ao nível distrital?
Sou um adepto fervoroso, incondicional, do movimento associativo, mas reconheço que já estamos em 2023 e a realidade mudou. A lei permite que, além dos clubes desportivos surjam empresas que dão atenção ao futebol. Uma SAD tem um objetivo desportivo, mas, sendo uma empresa, visa o lucro e ambas as realidades podem coexistir. Considero que, hoje em dia, os clubes precisam de pessoas a tempo inteiro, tal como sucede com as SAD. Uma SAD quer obter resultados desportivos, porque isso lhe dá resultados financeiros. Não podemos continuar com este modelo de clube em que um diretor está no emprego e tem de estar preocupado, durante o dia, com os treinos, inscrições ou deslocações. Tem de haver profissionais do clube, que assegurem o dia a dia, para libertar os dirigentes para melhorar o modelo de gestão. Os clubes e as SAD querem ter resultados desportivos, ter sucesso e estar bem integrados na sociedade e, desse ponto de vista, pouco divergem.

A União de Leiria está de regresso aos campeonatos profissionais, após um hiato de onze anos. É importante para a AFLeiria ter um filiado na II Liga?
Quando falamos de uma boa articulação entre clube e SAD podemos, precisamente, falar da União de Leiria. Depois de muitos problemas, a SAD conseguiu reestruturar-se, fez um bom planeamento e foi campeã da Liga 3, conseguindo corrigir uma imagem negativa de há alguns anos. Leiria é um centro de desenvolvimento do futebol e a União faz falta no futebol profissional. Esta subida vem de encontro ao que preconizamos para o futebol do distrito, com a União de Leiria na II Liga e o Caldas SC, com uma filosofia completamente diferente, na Liga 3. Considero que o At. Marinhense pode chegar à Liga 3 e o GD Peniche tem condições para estabilizar no Campeonato de Portugal. Foi pena a descida da União da Serra, porque também é um clube que merece jogar nos campeonatos nacionais. O fundamental é evitar o sobe e desce.

Leiria nunca teve tantas equipas nos nacionais jovens, mas tem apenas quatro representantes nas competições de seniores. A que se deve este desfasamento?
A verdade é que se reduziu o número de equipas nos campeonatos nacionais de seniores e a criação da Liga 3, de certo modo, “espremeu” o Campeonato de Portugal. De certo modo, há alguma “elitização” nas provas nacionais, que são disputadas com muito mais rigor e uma configuração distinta e que nem sempre favorece os clubes. Aliás, na formação está a cair-se nalgum exagero, precisamente tendo em conta a composição das séries, que obriga os clubes a percorrer distâncias enormes e acarreta custos acrescidos.

Desde que foi criada a divisão de honra de futebol, em 1991/1992, os quadros competitivos distritais têm-se mantido quase inalteráveis. Está na hora de estudar uma reformulação?
Não temos sentido desconforto por parte dos clubes relativamente ao modelo competitivo vigente. O que podemos reconhecer é que na divisão de honra, seja nos seniores ou nos escalões jovens, chega-se a um determinado ponto da temporada e há um lote de equipas que relaxam um pouco, porque já não podem subir ou descer. E, nessa medida, admito que podemos vir a pensar num modelo de play off, com o objetivo de aumentar a transparência dos campeonatos. O nosso intuito é sempre reforçar a verdade desportiva, pelo que se os clubes sentirem que o modelo está esgotado e deve ser aprofundado, serei o primeiro a defendê-lo. Há associações que têm menos clubes na divisão de honra e dividem por séries, outras que têm mais divisões, há vários modelos que podem ser estudados.

E relativamente à arbitragem? Quais as necessidades imediatas no distrito?
Temos um quadro estabilizado e vamos iniciar novo processo de recrutamento e formação. Se há sector da AFLeiria que é credibilizado a nível nacional é a arbitragem. Somos das associações mais defensores da arbitragem e sinto que o Conselho de Arbitragem da FPF está a começar a perceber que é preciso olhar para esta área. No âmbito da associação, temos árbitros e árbitras no topo da arbitragem nacional, no futebol e no futsal, o que nos dá alento para prosseguir este rumo de valorização do sector.

Para quando a academia da Associação de Futebol de Leiria?
Como é público, há muitos anos que temos um entendimento com a Junta de Freguesia dos Parceiros, no sentido de utilizarmos um espaço para esse efeito. Decorrem reuniões para aprofundar o processo e queremos também utilizar o pavilhão, por forma a conseguir recorrer a essa academia para desenvolver os cursos de treinadores, treinos das seleções distritais e dos árbitros. Era importante para nós, era importante para os Parceiros e para a cidade de Leiria, que está necessitada de mais relvados. Este projeto tem grande apoio da FPF, esperamos concretizar esse sonho.

É o seu último mandato?
Está nos estatutos e está decidido. Espero que seja um último mandato com algumas concretizações e que venha alguém que mantenha esta relação de proximidade aos agentes desportivos.

Perfil

Professor de Educação Física durante 42 anos, Manuel Mendes Nunes praticou futebol no Caldas SC, FC Caldas e SCR Gaeirense (16 anos), foi presidente da direção do Sporting Clube das Caldas (1976/1978), treinador no Caldas SC, FC Caldas e preparador físico no HC Turquel.

Responsável pela Seleção Distrital Sub15 da AF Leiria e dos cursos de treinadores, tem o curso nível IV.

A par com a atividade profissional, desempenhou funções como administrador da Leirisport e da Desmor.

Militante do PS, foi durante vários mandatos líder da bancada dos socialistas na Assembleia Municipal das Caldas da Rainha, de onde é natural.

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