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A mochila da educação em 2025/2026: Cinco materiais indispensáveis para refletir sobre o novo ano letivo

A leiriense Mónica Vieira, coordenadora-geral da Iniciativa Educação apresenta áreas-chave que impactam presente e futuro.

FOTO: IE

Todos os anos, no final do verão, as famílias repetem um ritual: comprar o material escolar. Cadernos em branco, canetas por estrear, novos manuais escolares. É uma rotina que se repete, na preparação para um novo ano letivo. Quais são os instrumentos essenciais para o ano letivo 2025/2026? Nesta lista simbólica de material escolar, reunimos cinco itens fundamentais que não podem faltar na reflexão.

1 – O manual (da leitura)

Nenhum aluno começa o ano sem o manual escolar. Nesta mochila simbólica, esse manual é de leitura. Aprender a ler é provavelmente a mais importante aprendizagem, sobre a qual construímos todas as restantes. É impossível que o aluno tenha um bom desempenho a matemática, a ciências, a história, se não tiver uma capacidade de leitura suficientemente desenvolvida. Nem será possível que seja, mais tarde, um cidadão com plena capacidade de interpretar o mundo que o rodeia.

E, ainda Portugal tenha reduzido expressivamente os números do analfabetismo, de 26% em 1970 para 3% em 2021, há números que nos devem alarmar. Nas avaliações internacionais (PISA 2022), 23% dos alunos portugueses de 15 anos estão abaixo do nível mínimo de proficiência de leitura. Trocado por miúdos, um em cada quatro jovens tem dificuldade em identificar informação num texto ou compreender as ideias principais. Vemos a mesma tendência na avaliação de leitura dos alunos de 4.º ano: 26% estão no nível baixo ou inferior (PIRLS, 2021). Também os adultos portugueses estão abaixo da média da OCDE, em literacia, aparecendo no fundo da tabela, tendo ultrapassado apenas o Chile (PIAAC, 2023).

É, por isso, essencial começar por colocar a leitura nesta mochila. Conhecemos a relevância que tem no desenvolvimento das crianças, da sua linguagem. Sabemos que as dificuldades de aprendizagem da leitura são frequentes, mas que não devemos desistir quando surgem. Pelo contrário, devemos insistir porque aprender a ler não é um ato natural: exige esforço. Sabemos também que a intervenção nas dificuldades deve iniciar-se logo que sejam detetadas e que esta intervenção, se atempada e sistemática, tem impacto não só leitura, mas também na diminuição de problemas de autoestima e ansiedade, muitas vezes causados por estas dificuldades.

Mas também enfrentamos novos desafios: a competição com as tecnologias, a leitura em ambiente digital, a distração e a diminuição da atenção. Como garantir que as crianças cultivam hábitos de leitura num mundo saturado de ecrãs? A resposta passa por família e escola, lado a lado: ler para as crianças desde tenra idade, ler em conjunto, explorar as palavras novas no texto, fazer perguntas, criar rotinas de leitura prazerosa. O manual da leitura é mais do que um livro — é uma prática que precisamos de acarinhar.

2 – A calculadora (da tecnologia)

A calculadora permite executar rapidamente cálculos matemáticos, desde as operações aritméticas elementares até aos logaritmos, nas calculadoras científicas mais avançadas. Já foram vistas como uma nova tecnologia, até disruptiva e perturbadora do bom funcionamento escolar. Mas não é esta a tecnologia que hoje preocupa escolas, professores e pais. O digital invadiu o nosso quotidiano, já não é opcional, mas a forma como o usamos faz toda a diferença. E há que distinguir o uso recreativo, para lazer e ocupação de tempos livres, do uso educativo. A utilização excessiva da tecnologia prejudica a construção de um ambiente escolar saudável, a manutenção da disciplina, o desenvolvimento da socialização e a promoção de saúde mental nas crianças e jovens.

Este ano letivo é marcado pela proibição da utilização de telemóveis e outros equipamentos móveis com acesso à Internet pelos alunos até ao sexto ano, na escola, durante todo o horário de funcionamento, o que inclui intervalos e outros períodos não letivos. Portugal junta-se assim a um conjunto de países europeus, como a França, que já proibiram a utilização das tecnologias em contexto escolar.

E o que acrescenta à forma como se ensina e aprende? Tudo depende do modo como é utilizada. É certo que a tecnologia facilitou o acesso à informação, mas exige literacia digital e a capacidade de avaliar a qualidade dos textos, imagens e outras informações que chegam às nossas crianças e jovens, a grande velocidade. É igualmente verdade que a tecnologia pode complementar o ensino e que o professor deverá decidir sobre a sua utilização pedagógica.

A calculadora lembra-nos que não basta adotar entusiasticamente ou demonizar o uso da tecnologia — é preciso medir o impacto, estabelecer limites de utilização, equilibrar o uso educativo com tempos de desconexão. E reservar tempo para a leitura.

3 – O caderno (da evidência científica)

Um caderno serve para tirar apontamentos e estruturar informação. Precisamos do caderno recheado de notas sobre a melhor evidência científica. Nas últimas décadas, surgiram vários contributos que nos permitem saber mais sobre como se ensina e como se aprende. De entre estas, a psicologia cognitiva mostrou-nos muito sobre como aprendemos. Sabemos hoje mais sobre memória de curto e longo prazo, atenção e falta dela, sobre a importância do sono para a aprendizagem, entre muitos outros temas.

E para estudar com eficácia, sabemos que nem todas as estratégias são iguais. Algumas são muito mais eficazes do que outras, destacando-se quatro:
(1) A prática da recuperação (*1) recorre à autoavaliação, ou seja, o aluno deve testar-se a si próprio e tentar recordar a informação, sem recorrer a auxiliares. Isto fortalece a memória a longo prazo. Quanto mais testa o seu conhecimento, melhores resultados consegue alcançar. Na prática, o aluno lê e estuda com apoio dos manuais e dos apontamentos. Depois de o fazer, testa-se a si próprio: faz mini testes ou recorre a questionários e, no final, verifica se sabe realmente a matéria.
(2) A prática espaçada (*2) recorre ao espaçamento entre os momentos de estudo. O aluno deve organizar o horário e reservar períodos para estudar depois das aulas, mas nunca as disciplinas que teve nesse dia, optando por outras. Deve começa por recapitular a matéria dada na véspera e depois a das aulas anteriores. Estudar duas horas em dois dias diferentes é mais eficaz do que estudar quatro horas seguidas, no mesmo dia.
(3) A prática intercalada (*3) consiste em alternar diferentes conteúdos, evitando a apresentação seguida de dois exercícios do mesmo tipo. Depois de avaliar o que já sabe sobre o tema, o aluno deve estudar tópicos diferentes da mesma disciplina, alternando conceitos e evitando repetir os mesmos exercícios. Por exemplo, deve evitar fazer uma série de exercícios de matemática muito semelhantes entre si ou, se estiver a aprender a reconhecer estilos de pintura, deve alternar estilos, em vez de estudar um de cada vez.
(4) A prática de elaboração4 passa pela explicação pormenorizada de ideias, pelo aluno. Pode envolver a relação entre matérias que estão a ser aprendidas e a associação a experiências pessoais, à memória e à vida quotidiana de quem aprende. Há várias técnicas de elaboração: fazer apontamentos por palavras suas, fazer sínteses, usar imagens, associando-as a conceitos. Todas ajudam a compreender melhor o que se está a estudar, o que contribui para uma aprendizagem duradoura.

São estratégias comprovadas, mas ainda pouco difundidas. Pais e professores podem beneficiar destas descobertas, ajudando a criar ambientes de aprendizagem mais eficazes. O caderno da evidência lembra-nos que educar tem ciência e que ensinar não deve depender apenas de intuição, ideologia ou tradição.

4 – O estojo (dos professores) e as canetas (dos alunos)

Nenhum aluno entra numa sala de aula sem estojo; nenhuma escola funciona sem professores. Mas, nos últimos anos, o estojo tem-se esvaziado de forma preocupante. Entre 1 de janeiro e 1 de setembro de 2025, aposentaram-se 2.440 docentes. E a formação de novos professores continua a ser insuficiente para os substituir. Para responder a esta escassez, o Governo tem aplicado medidas excecionais, como os incentivos remuneratórios para prolongar a carreira além da idade de reforma ou subsídios de deslocação para docentes colocados longe da sua residência, sobretudo em zonas de maior carência. Ainda assim, continua a faltar atratividade à profissão. Segundo o inquérito internacional TALIS (2018), apenas 9% dos professores portugueses sentem valorização social — um contraste com países como a Finlândia (58%). Mas sabemos que, depois da família, os professores são a variável mais determinante para o sucesso dos alunos.

E é precisamente nos alunos que entram as canetas — múltiplas, para escrever, para colorir. A escola acolhe diferentes percursos: hoje, a maioria das crianças e jovens está na escola até aos 18 anos. Mas estar na escola não chega; é necessário garantir a qualidade da educação. E garantir a equidade para todos, independentemente da sua origem e características. Mediadores linguísticos e culturais, equipas multidisciplinares, professores e técnicos de educação especial, psicólogos escolares, além de práticas inclusivas no quotidiano da sala de aula para que todos os alunos progridam na aprendizagem.

5 – O compasso (do ensino profissional)

O compasso serve para traçar círculos precisos, abrir novas direções e mostrar que o caminho escolhido pode ser sólido, apesar de diferente do percurso mais escolhidos tradicionalmente. O ensino profissional, durante muito tempo visto como uma opção de “segunda linha”, tem-se vindo a afirmar-se. Em Portugal, cerca de 40 % dos alunos do ensino secundário frequenta atualmente vias vocacionais ou profissionais. Neste nível de ensino, os cursos profissionais conferem uma dupla certificação, ou seja, o 12.º ano de escolaridade e uma qualificação profissional para o mercado de trabalho. Conciliam a formação de base, a tecnológica e a prática em contexto de trabalho
O compasso relembra-nos que há trajetórias múltiplas, todas com valor. E que a via profissional exige qualidade: currículos atualizados, docentes preparados, uma boa articulação com o tecido produtivo da região. Mas oferece também flexibilidade: permite integrar o mercado de trabalho ou prosseguir para o ensino superior. Reconhecer o ensino profissional como caminho legítimo é assegurar que todos os alunos têm direito a escolher, com igualdade de condições, o traço que melhor desenha o seu futuro.

No fim, tudo tem de caber na mochila — e nenhuma criança a deve carregar sozinha. A educação é uma responsabilidade partilhada: alunos, professores, famílias, sociedade civil, decisores políticos. Ao entrar no novo ano letivo, o convite é claro: encher esta mochila com o que é realmente essencial, para que cada aluno possa caminhar com mais segurança rumo ao futuro.

Mónica Vieira, coordenadora-geral da Iniciativa Educação

*1 – https://www.iniciativaeducacao.org/pt/estudo-a-100/pratica-de-recuperacao
*2 – https://www.iniciativaeducacao.org/pt/estudo-a-100/pratica-espacada
*3 – https://www.iniciativaeducacao.org/pt/estudo-a-100/pratica-de-elaboracao

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