A manifestação organizada pela Escola Secundária Francisco Rodrigues Lobos, em Leiria, no dia 28 de novembro, foi mais do que um ato simbólico; foi um momento de profundo despertar e de convicção. Estar ali, nas ruas de Leiria, rodeada por colegas e a comunidade, fez-me sentir, de forma intensa, a urgência e a dimensão do tema.
A energia da nossa marcha, combinada com a presença da imprensa a cobrir o evento, impulsionou-me a querer contribuir de forma mais profunda. Senti que não bastava ter consciência; era preciso agir e usar a minha voz para chegar a mais pessoas.
Embora o meu interesse e a minha paixão pela política me tenham ajudado a compreender a raiz sistémica da violência de género, foi a visibilidade e o impacto direto desta manifestação pública que me empurraram a escrever um poema.
Esta reflexão é o meu contributo pessoal, nascido daquela sexta-feira, como uma forma de amplificar a mensagem de que a luta contra a violência da mulher exige o nosso envolvimento total, sem desculpas nem indiferença:
“Quantas mulheres terão de sofrer para a sociedade admitir que a violência não é azar, é sistema? Quantas terão de viver com medo dentro da própria casa, onde o amor se transforma em cativeiro e o “para sempre” em sentença?
Quantas mulheres terão de sofrer para o Estado perceber que cada pedido de ajuda ignorado é uma cumplicidade na morte que virá? Quantas terão de preencher papéis enquanto o agressor prepara a próxima agressão? Quantas terão de ouvir “tem a certeza?” quando a certeza já se vê no corpo inteiro?
Quantas mulheres terão de sofrer para que parem de justificar monstros com álcool, ciúme ou cansaço?
Quantas vezes vou ouvir que “ela provocou”, como se existir fosse perigo?
Quantas mulheres terão de sofrer para que a imprensa pare de romantizar ódio? Para que parem de chamar “crime passional” ao feminicídio — assassinato por poder e posse?
Quantas mulheres terão de sofrer para as famílias deixarem de sugerir silêncio, para evitar o “escândalo”? Quantas terão de engolir humilhações à mesa do jantar, para preservar a reputação do agressor?
Quantas mulheres terão de sofrer para que a tecnologia seja responsabilizada por perseguições, partilhas de intimidade, ameaças e ódio cobarde atrás de ecrãs que nunca respondem por nada?
Quantas mulheres terão de sofrer para pararem de ensinar às meninas que o perigo está nelas, e aos rapazes que a culpa será sempre de outra pessoa?
Quantas mais terão de andar com chaves entre os dedos, olhar no chão, plano de fuga na cabeça? Quantas terão de medir cada passo para sobreviver — não para viver?
Quantas mulheres terão de sofrer para que os amigos dos agressores deixem de rir, de desculpar, de ignorar? Quantas terão de ser silenciadas por quem testemunhou e mesmo assim fingiu não ver?
Quantas mulheres terão de sofrer para que a justiça deixe de ser lenta, cega e cúmplice? Quantas terão de morrer antes da sentença ser escrita?
Quantas mulheres terão de sofrer para que o medo mude de lado?
Quantas terão de ser enterradas com flores tardias, homenagens vazias e minutos de silêncio que nada resolvem?
Eu estou farta de luto.
Farta de notícias que se repetem.
Farta de indignações de 24 horas.
Farta de um país que só se comove quando já não há nada para salvar.
Eu não escrevo para pedir. Eu escrevo para exigir.
Exijo que parem de duvidar das mulheres.
Exijo que responsabilizem os agressores — sem suavizar, sem desculpar, sem romantizar.
Exijo proteção real — antes do funeral.
Exijo educação que destrua o machismo antes que o machismo nos destrua a todas. Exijo que a sociedade se levante enquanto ainda podemos salvar vidas.
Se vocês escolhem o silêncio, escolhem o lado do agressor.
Se escolhem a neutralidade, escolhem quem agride.
Se escolhem esperar… escolhem que mais uma mulher morra.
Eu não aceito contar mais vítimas.
Eu quero contar vitórias.
Eu quero contar sobreviventes.
Eu quero contar mulheres que vivem sem medo de viver.
Quantas mulheres terão de sofrer para que tu finalmente faças alguma coisa? Quantas terão de sofrer para que tu te recuses a ser cúmplice?
Porque a violência contra mulheres e raparigas não é destino.
Não é tradição.
Não é cultural.
É crime.
E eu estou aqui para garantir que nunca mais seja normalizado.
O medo mudou de lado.
Agora, é a violência que tem razões para tremer.”