“Tive momentos em que sentia que estava a ‘dar o meu máximo’ e que nem ‘o meu máximo’ era suficiente. Passava dias inteiros a estudar e parecia que, mesmo assim, não conseguia colmatar o que devia. Era uma sensação de impotência muito stressante…E quando percebemos que não estamos a conseguir obter os resultados que queremos ter, colocamos mais pressão sobre nós, e a ansiedade aumenta. Acaba por ser um ciclo vicioso”.
O desabafo de Bárbara Sanches, de Pombal, estudante do ensino superior, a frequentar, atualmente, o primeiro ano do Mestrado em “Gestão Estratégica de Recursos Humanos”, na Universidade da Maia (Porto), não reflete um caso isolado, mas sim uma situação comum que afeta uma percentagem significativa de jovens estudantes.
Neste trabalho, ouvimos casos reais de jovens que já sentiram, em vários momentos da vida académica, episódios de ansiedade e questionamos duas professoras e uma psicóloga, especializada em orientação escolar e profissional, sobre as estratégias mais eficazes para encontrar o equilíbrio ideal entre os estudos, o bem-estar psicológico e a vida pessoal.
Um recente estudo realizado em Portugal pela Associação Nacional de Estudantes de Psicologia, em colaboração com a Ordem dos Psicólogos Portugueses, apresentou dados que comprovam que a população estudantil é um grupo vulnerável, no que toca à saúde mental.
O estudo indicou que 39% dos estudantes apresentaram “resultados significativos” para sintomatologias de ansiedade. Os inquiridos eram na sua maioria alunos de licenciaturas e raparigas, com uma média de idades de 24 anos. Mais de 80% referiu que tinha dificuldade em relaxar e 73% confessou ter reagido “em demasia” a determinadas situações.
Ensino superior é um desafio acrescido
No Instituto Politécnico de Leiria (IPLeiria), a professora e pró-presidente do Politécnico para a área da Saúde, Qualidade de Vida e Bem-estar, Carolina Henriques, constata que os alunos do primeiro ano de licenciatura são os que têm mais dificuldade em lidar com o grau de exigência do ensino superior e destaca o importante papel que o Centro de Apoio ao Estudante (CAE), constituído por psicólogos e assistentes sociais, desempenha na integração destes alunos.
Para que a adaptação a esta nova fase académica seja mais fácil, este centro desenvolve diversas atividades de apoio, durante o ano letivo, como formações e seminários. Estas ações visam ajudar os alunos a desenvolverem estratégias para lidarem com os novos desafios.
“Se os estudantes forem capazes de lidar com esta maior exigência, vão sentir-se mais empoderados e vão ter mais sucesso”, assegura a professora.
Bárbara Sanches confessa que, atualmente, sente-se mais calma e segura, comparativamente com os primeiros tempos da licenciatura.
Nesta fase da sua vida académica, quase a finalizar o primeiro ano do Mestrado, sente-se mais confiante para lidar com o stress e a pressão, inerentes aos seus compromissos académicos.
Com a experiência, acabou por desenvolver estratégias próprias para superar a ansiedade, controlar melhor o tempo e estudar com mais concentração. “Com o passar do tempo, percebi que, para mim, era muito importante fazer algumas pausas durante os períodos de estudo. Percebi também que estudar pela via tradicional, através dos livros, não era para mim o melhor método. Passei a estudar em espaços diferentes e comecei a utilizar a app Notion, que me permite estudar de uma forma mais intuitiva. Nesta app, posso anexar fotografias e emojis aos meus textos, o que me ajuda bastante a memorizar a matéria”.
Criar uma rotina de estudo é fundamental
A professora Carolina Henriques recomenda a todos os estudantes “a criarem uma rotina”. “É muito importante que os estudantes tenham a capacidade de organizar os seus horários de estudo, de descanso e de atividades de lazer”. Ao mesmo tempo, sublinha a importância de priorizar os momentos de autocuidado. “Os alunos devem ter tempo para cuidarem de si e para frequentarem atividades que lhes deem prazer e relaxamento”, frisa a professora, lembrando que o CAE dispõe de uma formação de “Gestão do tempo” (disponível online) que ajuda os estudantes a criarem estas rotinas.
Paralelamente, há também formações presenciais em competências transversais e formações online sobre “Autocuidado e Saúde Mental”, para além de estratégias terapêuticas, como o “Psicodrama”, que podem ajudar os alunos a ultrapassarem outros problemas de saúde mental. O IPLeiria dispõe ainda de um programa de imersão, Ubuntu, que tem como objetivo o desenvolvimento de skills socio-emocionais nos estudantes.
Para um percurso académico de sucesso, Carolina Henriques lembra também a importância de assegurar uma boa rotina de sono e uma alimentação equilibrada e saudável. Procurar ajuda profissional, sempre que necessário, e, no dia a dia, pequenas mudanças como “explorar novas técnicas de estudo e conectarem-se a novas pessoas com quem possam partilhar angústias, podem melhorar e proteger a saúde mental dos estudantes”, recomenda a professora.
Beatriz Querido, de Pombal, tem 22 anos e, atualmente, encontra-se a estudar no primeiro ano do Mestrado Integrado de Ciências Farmacêuticas, na Universidade de Coimbra. Sempre foi uma aluna de notas altas e sempre gostou de estudar e aprender, mas confessa que, na Universidade, tem sido mais difícil gerir a pressão e que, muitas vezes, “sofre por antecipação”, porque nunca sabe se vai conseguir obter os resultados que ambiciona.
“Acho que este sentimento é comum a todos os estudantes universitários, sobretudo nas fases finais de avaliação. Nas últimas duas semanas de cada semestre, temos de entregar todos os trabalhos que estão previstos para todas as cadeiras, após uma época de exames extensa. É uma fase complicada e um momento em que pensamos que não vamos conseguir cumprir com os nossos objetivos”, refere a estudante que confessa ser muito exigente com ela própria e que, por vezes, é essa exigência que acaba por desencadear os episódios de ansiedade que tem, “com muita regularidade”.
“Por vezes, temos demasiadas expectativas sobre nós próprios e sentimos que ficamos aquém. É muito complicado para mim aceitar que posso não conseguir obter o resultado que pretendo num exame”, confessa.
Quando o problema surge no secundário
Apesar de ser mais comum entre os estudantes universitários, a ansiedade não se vive apenas quando se ingressa no ensino superior e pode surgir mais cedo.
Os últimos estudos realizados pelo Observatório de Saúde Psicológica e de Bem-Estar Social, em Portugal, mostram também que há cada vez mais alunos com sintomas de depressão e ansiedade e que estes são mais evidentes nos alunos mais velhos, do ensino secundário, sendo estes os que apresentam maior fragilidade ao nível da diminuição da saúde psicológica”.
A professora Sandrina Morais, professora de Matemática, na Escola Secundária Afonso Lopes Vieira (ESALV), em Leiria, confirma que “a ansiedade é um problema comum entre os adolescentes e que é importante estabelecer estratégias adequadas para lidar com esta emoção”.
A docente frisa a importância de desmistificar a ansiedade, lembrando que esta emoção é importante para as nossas dinâmicas de vida. “A ansiedade é uma emoção que se junta a tantas outras que formam a nossa personalidade. É preciso desmistificá-la, reduzindo assim o medo de a sentir. Educar sobre como a ansiedade funciona no nosso corpo e na nossa mente e identificar os ‘gatilhos’ que a desencadeiam poderá ser um princípio”, recomenda.
Nestas idades, é também muito importante manter uma alimentação equilibrada e um sono regrado, especialmente em época de avaliações. “Em períodos de estudo mais intensivos, é a alimentação que fazemos que garante o equilíbrio nutricional necessário para enfrentarmos esta fase que é mais desgastante”, aconselha a professora, lembrando que é também essencial “cumprir com as horas de sono suficientes para repor energia”.
A importância de um bom planeamento
Os momentos de lazer também representam um papel preponderante na gestão das emoções mas “para os assegurarmos, é essencial definir um horário de estudo e cumpri-lo escrupulosamente”, sublinha a professora. Estabelecer este horário de estudo, desde cedo, e não só em época de provas, é crucial para manter a tranquilidade e conseguir o sucesso académico desejado.
“É precisamente o cumprimento deste horário de estudo, ao longo do ano letivo, que vai evitar as situações de ansiedade que surgem, anteriormente à realização das provas”, explica Sandrina Morais, que recomenda dispensar 10 minutos diários, para rever a matéria lecionada, a cada dia.
A professora constata que “a gestão do tempo” é a principal preocupação dos alunos que acompanha no seu dia a dia. O tempo livre que resta entre as atividades escolares e os hobbies e/ou as atividades desportivas [as atividades extracurriculares] pode parecer pouco, daí a importância de definir um horário de estudo e de o cumprir. Só dessa forma ficaremos com tempo suficiente para estar em família e/ou fazer algumas atividades de lazer”, alerta.
O apoio familiar também é importante para a superação da ansiedade. Sandrina Morais destaca “o papel que a família desempenha” e que considera “crucial no bem-estar emocional dos adolescentes”. “É importante proporcionar um ambiente acolhedor e aberto para conversas sobre a ansiedade, sem focar expectativas sobre o desempenho escolar ou outras responsabilidades”, recomenda a professora.
5 passos para controlar a ansiedade em época de exames
A psicóloga Ana Leite ensina a lidar com a ansiedade em fases mais exigentes.
- Explore diversos métodos de estudo e adeque-os a cada disciplina/cadeira. Técnicas como PLEMA, RASERO, EPL2R, mapas mentais, técnicas pomodoro, mnemónicas e acrónimos, são alguns exemplos.
- Não estude na véspera, prepare-se antecipadamente. Preste atenção nas aulas, faça os trabalhos de casa e organize-se, de forma a manter hábitos de estudo regulares. Quanto mais estudarmos e soubermos a matéria, mais confiantes nos vamos sentir e, consequentemente, mais relaxados e menos ansiosos. O dia anterior deve ser reservado apenas para a revisão geral, através da leitura dos sublinhados, esquemas e resumos.
- Aceite e compreenda os seus erros. Podemos encarar os nossos erros como uma oportunidade de aprendizagem e de autoconhecimento.
- Mantenha um estilo de vida saudável. Durma o suficiente, faça exercício aeróbico durante, pelo menos, 20 minutos, duas a três vezes por semana, e coma de forma equilibrada.
- Lembre-se: é só um teste! A avaliação não se resume a um só teste.
A participação e o interesse manifestados nas aulas também contam.
3 perguntas sobre ansiedade
Perguntámos à psicóloga Ana Leite em que consiste afinal a ansiedade que afeta os estudantes.
- É normal sentir ansiedade em contexto escolar?
“A ansiedade é uma emoção normal, experienciada no dia-a-dia, que surge perante uma preocupação e/ou quando antecipamos algo negativo. Em contexto escolar, pode surgir nos momentos em que os alunos sentem que estão a ser avaliados, designando-se de “ansiedade de desempenho”, e pode resultar em medo de falhar, baixos resultados e preocupações com o desempenho académico, desmotivação e baixa auto-estima.” - Quais são os seus principais sintomas?
“Pode manifestar-se de diversas formas. Através de sintomas emocionais (tensão muscular, náuseas, transpiração, taquicardia, dores de barriga, “brancas”, insónias e dores de cabeça), mas também de sintomas cognitivos, como pensamentos negativos sobre o desempenho, sentir-se mal preparado para o teste e medo de falhar. Ou até com sintomas comportamentais, como hábitos de estudo pouco eficazes, evitamento, procrastinação e distrações.” - Quando devemos procurar ajuda?
“Quando a ansiedade é muito intensa, ao ponto de interferir com os nossos resultados escolares, pode ser importante pedir ajuda aos pais, professores ou ao psicólogo escolar.”