Há cerca de dois anos, tinha o Chat GPT alguns meses, dei o meu modesto contributo para o debate em torno do tema da IA na Educação e Formação, com um artigo sobre as tecnologias emergentes popularmente designadas por “IA Generativa” ou LLM (Large Language Model) a que costumo chamar a “IA da prompt” e que, na essência, nos permite, através de interações em linguagem natural, gerar informação ajustada sobre os mais diversos temas, em diferentes formatos (texto, imagem, sons, vídeo ou animação) e com inúmeras opções de ajustes.
Em dois anos e meio, confirmaram-se as previsões de um crescimento exponencial das aplicações disponíveis, cada vez mais diversas e eficazes, do número de utilizadores e o tema da IA passou a integrar a agenda das escolas, das universidades, das empresas, da comunicação social e das principais organizações internacionais. Fala-se do seu potencial e dos seus perigos, reais ou imaginários, ao nível académico, profissional, social ou pessoal. Considerei que seria redundante e eternamente incompleto descrever-vos este “maravilhoso mundo novo”. Optei por isso por isso focar-me em desconstruir alguns dos seus mitos e enviesamentos.
A IA como “Inteligência Alheia” ou o mito das “máquinas criativas”
Muitos de vós já terão decerto experimentado aplicações geradoras de textos ou imagens, por curiosidade, para se divertirem a fazer “cenas giras” para as redes sociais (fotos ajustadas, desenhos bonitinhos, etc.), para resolver problemas práticos do quotidiano (e.g. uma receita para o que tenho no frigorifico) ou para gerar informação para fins profissionais ou académicos.
Os resultados são normalmente tão fantásticos que é compreensível que os mais entusiastas anunciem para os próximos anos a concretização dos mais delirantes desígnios da ficção científica que, como sabem, é prolixa na criação de cenários futuristas com máquinas inteligentes.
Os mais pragmáticos realçam que nada disto seria possível sem os gigantescos repositórios de muitos milhões de recursos em diferentes formatos (textos, imagens, vídeos…), criados por humanos, e dos quais as empresas promotoras destas aplicações se apropriam sem autorização para devolver os seus produtos.
O artista português Luís Louro, sintetizou a ideia: “IA não significa Inteligência Artificial, mas sim Inteligência Alheia. A máquina limita-se a copiar o que está disponível”.
A generalidade das pessoas até concorda, mas “está-se nas tintas” e mais interessada em saber como fica no estilo “Studio Ghibli”.

A ilusão do conhecimento – um enviesamento antigo no acesso à informação
Apesar de algumas divergências de pormenor, há um amplo consenso que aquilo que ouvimos, lemos ou observamos é Informação.
Só se torna Conhecimento quando, através da nossa vontade e esforço a transformamos em conceitos, significados e relações que integram a nossa estrutura cognitiva, num processo complexo a que chamamos Aprendizagem.
Com a Revolução da Informação descobriu-se que chamar “Conhecimento” à “Informação” era bom, não apenas para os negócios de produtos e serviços, mas também para angariar notoriedade.
A maioria de nós nem reparou no logro e começamos a aceitar como verdadeiras expressões como “aceder”, “partilhar” ou “transferir” conhecimento, como se este tivesse uma expressão simbólica de natureza verbal ou pictórica.
Disponibilizo na edição digital textos gerados pelo Gemini sobre este tema que é há décadas a origem para os equívocos mais bizarros. Mas fica desde já uma garantia: por mais brilhantes que sejam os artigos do Região de Leiria ou os textos do Chat GPT, a maioria do trabalho que os torna relevantes continua a ser vosso, na atribuição dos significados e na integração no vosso conhecimento.



O mito do “ignorante inovador” e o risco de termos “uma geração de pessoas estúpidas num mundo de máquinas inteligentes.” (António Dias Figueiredo)
Não sabe escrever uma frase, mas quer ser escritor? Não tem jeito para as artes gráficas e quer ser designer? Não sabe nada de música e quer ser músico? Até agora a única forma de o conseguir era estudar, praticar e voltar a fazer o mesmo e, com algum talento e muito esforço, procurar poder vir um dia a pertencer ao pequeno grupo dos que dão contributos para a evolução da sua arte.
Trata-se de um processo moroso que até podia dar muito prazer, mas exigia muito esforço e dedicação. De repente, tudo se alterou com o anúncio de uma espécie de “eldorado cognitivo” em que podemos ser tudo o que queremos, desde que saibamos as prompts adequadas.
Apesar de os alertas de reputados investigadores de várias áreas do conhecimento, há quem se dedique a promover a ideia de que, com a IA Generativa, a “criatividade deixou de estar condicionada pelo conhecimento” ou, dito de outra forma, que podemos ser inovadores em áreas em que somos basicamente ignorantes.
Chamo a esta abordagem facilitismo radical da IA e, na minha opinião, é o maior perigo das ferramentas da IA: em vez de ferramentas para aprender, passam a servir fundamentalmente para mitigar a nossa ignorância.

A única IA que nos interessa é a que nos tornar mais inteligentes
Estamos habituados a delegar tarefas cognitivas nas máquinas, sem colocar em causa a nossa necessidade de aprender, antes pelo contrário: essa delegação permite-nos libertar recursos mentais para tarefas cognitivas mais complexas ou fora do alcance das máquinas (e.g. fazer juízos de valor sobre o que é desejável em cada contexto).
O exemplo mais conhecido é o uso das calculadoras, que pode ser generalizado a outras ferramentas de apoio à escrita (corretores ortográficos, dicionários, etc.), ao cálculo (folhas de cálculo, modelos computacionais, etc) ou às artes (ferramentas de edição de imagem, vídeo, etc.).
Apesar de as calculadoras serem, há décadas, baratas, fiáveis e fáceis de utilizar, continuam a sujeitar as crianças de todo o mundo a aborrecidas e repetitivas contas de somar, subtrair, multiplicar e dividir, mesmo sabendo que, passados uns anos, lhes vão pedir para utilizar calculadoras gráficas e folhas de cálculo.
As razões são muitas e diversificadas: relacionam-se com a necessidade de criar bases sólidas de conhecimento, onde ancorar nova informação, mas também com a necessidade de desenvolver competências cognitivas como a concentração, a memória ou o raciocínio.
A questão fundamental não é se vamos ou não usar ferramentas IA, pois decerto que o faremos se elas nos forem úteis. A questão fundamental é se o vamos fazer por preguiça de aprender, delegando-lhe o que não sabemos fazer, ou a vamos utilizar para nos dedicarmos a aprofundar a nossa aprendizagem ou o nosso desenvolvimento profissional.
A questão é particularmente sensível na educação e formação, onde os professores têm um papel fundamental, mas é igualmente importante no exercício da profissão pois, para justificarem o salário, não basta copiarem a informação da IA, é fundamental que, com essa informação, acrescentem valor ao desenvolvimento profissional.

Imagens produzidas em Gemini (gemini.google.com)