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Crónicas do quinto império: Crise e conforto

Garantem-me que menos Estado é melhor Estado, a não ser quando é preciso mais Estado para tapar os desfalques do BPN.

Joaquim Ruivo, professor jruivo2@sapo.pt

“Portanto, um príncipe deve gastar pouco para não precisar de roubar os seus súbditos”. Maquiavel, O Príncipe, 1513.

Uma crise é sempre uma oportunidade. Quanto mais não seja para sofrermos um pouco mais e, nesse sentido, nos reencontrarmos connosco mesmo.

Dizem-me que gastei de mais e sinto-me perplexo. Dizem-me que produzo pouco e sinto-me culpado, que devo 18 mil euros ao estrangeiro e fico comprometido, sobretudo porque não faço a mínima ideia de como contraí essa dívida. Garanto-vos que o carro está pago e que no final dos 25 anos de empréstimo terei pago a minha casa, pelo menos duas vezes. Nunca pedi dinheiro para férias.

Convencem-me que em tempo de crise os meus subsídios são um luxo e admoestam-me para que não pense que terei a reforma por inteiro. (Há poucos nascimentos e eu também sou culpado porque só tenho uma filha).

Pedem-me flexibilidade laboral, porque isso da estabilidade profissional é bom para os acomodados, para os que não compreendem as dinâmicas que geram riqueza. Dizem-me que é um disparate querer ter um emprego fixo para toda a vida, porque, ao invés, a valorização está na mudança, no contacto com diferentes experiências em diferentes locais e que a estabilidade familiar é um conceito muito relativo a que não nos convém apegar. Afian­çam-me que o emprego temporário a recibo verde pode ser tão bom como pleno emprego.

Apregoam-me que a eficácia e competência têm que ser avaliadas para que os profissionais excelentes possam ser recompensados pelo seu mérito, mesmo que não haja oportunidade para progredir, mesmo que progrida quem não tem mérito, mesmo quando se é despedido cheio de mérito…

Garantem-me que menos Estado é melhor Estado, a não ser quando é preciso mais Estado para tapar os desfalques do BPN. Que regulamentar a economia é um “pau de dois bicos”, que subsidiar em demasia cria indigência, que despedir livremente impulsiona investimentos, que os paraísos fiscais são necessários, que “mandar à fava” as agências de rating é impossível…

Convencem-me – e eu acredito – que é bom e saudável o Estado vender de seu o que dá lucro e manter o que dá despesa.

Convencem-me – e eu acredito – que o português aguenta tudo.

Convencem-me – e eu acredito – que o português é sereno e pacífico…

(texto publicado na edição em papel de 9 de março de 2012)