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Crónicas do quinto império: Navegação sossegada

A nossa casa é um mundo e todo o mundo a nossa terra. O que aos outros diz respeito, a nós nos atinge. Por isso, partilhamos o sofrimento do mundo e usufruímos das suas alegrias. Esta é a minha crónica de férias só preenchida com boas notícias que respiguei ao acaso, nos jornais, ao longo de uma semana.

Joaquim Ruiv, professor jruivo2@sapo.pt

“Depois, mal o sol acabou de nascer, o homem e a mulher foram pintar na proa do barco, de um lado e do outro, em letras brancas, o nome que ainda faltava dar à caravela. Pela hora do meio-dia, com a maré, A Ilha Desconhecida fez-se enfim ao mar, à procura de si mesma”. José Saramago, “O conto da Ilha Desconhecida”, 1997.

A nossa casa é um mundo e todo o mundo a nossa terra. O que aos outros diz respeito, a nós nos atinge. Por isso, partilhamos o sofrimento do mundo e usufruímos das suas alegrias. Esta é a minha crónica de férias só preenchida com boas notícias que respiguei ao acaso, nos jornais, ao longo de uma semana.

– A Islândia recuperou surpreendentemente da crise, sem nunca ter posto em causa o estado social. O FMI considera um exemplo
a seguir, porque os islandeses conseguiram reduzir o défice e recuperar a economia sem necessitarem de limitar apoios sociais, de restringir condições laborais, de despedir funcionários… Apesar de os bancos islandeses terem uma dívida superior a 10 vezes a dimensão da sua economia, os islandeses recusaram proteger os credores dos seus bancos ao mesmo tempo que impediam a fuga de capitais. O seu novo governo repeliu ataques especulativos e concentrou a sua ação no apoio às famílias e empresas. O facto de não terem aderido ao euro permitiu-lhes a desvalorização da sua moeda em 80%…

– No Brasil, o desembargador Souza Prudente, justificando a paralisação imediata das obras da hidroeléctrica de Belo Monte (uma das maiores barragens do mundo), afirmou: “Os índios são seres humanos que têm os mesmos direitos de qualquer cidadão brasileiro”. O tribunal Regional Federal de Brasília reconheceu ilegalidades em duas etapas do processo, na sequência de denúncias e oposição dos índios locais, dos ambientalistas e vários sectores da sociedade brasileira.

– Na Hungria, um jovem político neonazi foi apanhado a oferecer dinheiro para silenciar a revelação que afinal tinha ascendência judaica. Arrependido, Csanad Szegedi já se encontrou com o rabi, já pediu desculpa por qualquer comentário ofensivo contra os judeus e comprometeu-se a visitar Auschwitz.

– Em Portugal, na aldeia de Cem Soldos (perto de Tomar) um grupo de jovens voluntários associativos juntou-se para criar um festival. Seis anos depois o Festival Bons Sons é uma referência nos festivais de Verão e exemplo de um projeto que se tornou âncora de revitalização social e económica de uma localidade que nem no mapa aparecia…

– Quase me esquecia! Há uma dúzia de anos o “New York Times” considerou o conto de José Saramago “O conto da Ilha Desconhecida” como um dos mais belos da literatura mundial. Para ler – obrigatoriamente – em férias.

(Texto publicado na edição de 24 de agosto de 2012)