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Helena Vasconcelos

Médica

O meu diário: Corona

hml.vasconcelos@gmail.com

Anda tudo com medo do corona. O corona é um vírus que apareceu na China e já deu mais do que falar do que tudo o que possam imaginar. Mais do que o Brexit, que o Trump ou o Putin e ainda mais que o ambiente e o aquecimento global. Parece ser agressivo, mas a taxa de mortalidade deve rondar os 4%. O que é muito se pensarmos na gripe, e muito pouco se pensarmos no Ébola. Teve o seu epicentro na China, mas como tudo o que é chinês já se disseminou por aí, embora em muito pequena escala.

Se por um lado a minha inconsciência não dê para sentir prazer nesses riscos e fenómenos, por outro lado tenho de confessar, o prazer que é sentir os humanos juntos numa luta só. Só uma coisa que nos pode pôr em perigo nos consegue juntar. Às vezes é bom sentir a nossa incapacidade em vencer, pelo menos no imediato, estas batalhas para darmos mais valor à nossa fragilidade como humanos. A imprevisibilidade da vida é uma constante em todas as vidas e basta olharmos para o lado ou mesmo para a nossa existência para constatarmos quão frágil é o “está tudo bem”, não se passa nada. Uma doença, um problema no emprego, um acidente, um incêndio, um divórcio, uma morte e tudo muda. Mas o que nos une é esta espécie de trincheira comum contra o Corona. Uns estão lá mais perto da batalha e os que estão mais longe sempre desconfiam que o inimigo os pode também atingir. Nas grandes dificuldades ficamos mais sãos, mais nobres, mais focados no importante e ao mesmo tempo mais cooperantes uns com os outros, que sabemos que só assim nos podemos safar.

Os cientistas são valorizados mais do que os futebolistas (olhem que eu sou fã do Ronaldo) e os médicos e os profissionais de saúde de uma forma geral passam rapidamente de desumanos, agiotas a gente de bem que arrisca a sua própria vida em prol dos outros.

É interessante que todos nós façamos uma reflexão nestes tempos instáveis e que aprofundemos a nossa condição de humanos. É aquela velha reflexão do que o que não nos mata torna-nos mais fortes.

(Artigo publicado na edição de 6 de fevereiro de 2020 do REGIÃO DE LEIRIA)