Assinar

reXistência: A “Janeirinha”

Em Portugal, em termos administrativos, o poder local integra os municípios e as freguesias. Consequentemente é o poder que está mais próximo das pessoas, e das suas vidas quotidianas.

Cláudia Oliveira, jurista, assessora no Parlamento Europeu rexistencia.co@gmail.com

Em Portugal, em termos administrativos, o poder local integra os municípios e as freguesias. Consequentemente é o poder que está mais próximo das pessoas, e das suas vidas quotidianas.

É, em geral, aquele sobre o qual as pessoas mais estão informadas e mais debatem no seu dia-a-dia. Há uma identificação com as questões e com as situações. Esta questão da proximidade é de tal forma central e primordial que as leis eleitorais para os órgãos das autarquias locais preveem a possibilidade de apresentação de listas de candidatos por parte de movimentos de cidadãos, em igualdade de circunstâncias com as apresentadas pelos partidos políticos.

Não admira, pois, a reação de surpresa e contestação que gerou a proposta de lei apresentada pelo Governo para reorganização administrativa do território, e recentemente aprovada na Assembleia da República pela maioria PSD/PP.

O Governo faz tábua rasa das mais-valias do poder local, da proximidade, da identificação das pessoas às suas comunidades e impõe de modo autoritário às populações uma nova realidade.

As pessoas podiam e deviam ter sido ouvidas no processo. Deveriam ter sido convocados referendos locais para que as populações se pudessem pronunciar sobre as extinções, modificações, fusões e outras alterações nas suas autarquias.

Aliás, a Carta Europeia do Poder Local, que foi ratificada por Portugal a 1 de abril de 1991, determina que as autarquias locais interessadas devem ser consultadas previamente relativamente a qualquer alteração dos limites territoriais locais, eventualmente por via de referendo, nos casos em que a lei o permita, como é o caso de Portugal.

Se é de poder local que falamos, a proximidade às pessoas deve ser mais do que um mero elemento decorativo ou caracterizador. A proximidade deve ser o elemento que marca a diferença de forma positiva e significativa. As próprias autarquias que serão afetadas pela reorganização deveriam ter direito a emitir pareceres com carácter vinculativo sobre a reorganização.

A nossa história já provou que as pessoas não gostam que estas reformas sejam feitas contra a sua vontade, em desrespeito pelas suas opiniões. A “Janeirinha” foi um movimento contestatário das populações, sobretudo de Lisboa, Braga e Porto, que teve início a 1 de janeiro de 1868, contra a reforma fiscal e administrativa do território, que em três dias levou à queda do Governo.

As realidades locais não se podem tratar a régua e esquadro e sobretudo nunca à distância num qualquer gabinete de ministério.

(texto publicado na edição em papel de 16 de março de 2012)