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Sociedade

Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos: aqui aprende-se a pensar

Em Óbidos os alunos do 1º ciclo fazem ioga, têm aulas de filosofia e inventam máquinas. São as sementes do projeto escola municipal, que a autarquia quer para 2015.

Jaime inventou uma máquina voadora, para brincar durante os intervalos da escola. Duarte idealizou um robô apanha bolas, que lhe facilitaria a vida enquanto joga futebol. E Carolina pensou num cavalo elétrico, que lhe daria boleia quando se atrasa para as aulas.

Não há limites para a imaginação no Agrupamento de Escolas Josefa de Óbidos, onde a criatividade e a veia empreendedora das crianças são tão valorizadas quanto os conteúdos curriculares. Jaime, Duarte e Carolina têm apenas 6 anos, mas – em equipa e com a ajuda dos alunos da escola secundária – vão ser capazes de construir o seu próprio robô até ao final do ano letivo.

É uma filosofia de trabalho diferente, aquela que rege o dia-a-dia nos complexos escolares de Óbidos. Por ali, a componente académica formal não é esquecida – “o currículo é lecionado a 100%”, garante o presidente da Comissão Provisória Administrativa (CPA) do agrupamento, José Manuel Nascimento – mas os dias são enriquecidos com ateliês e projetos que estimulam a criatividade, concentração e capacidade de raciocínio dos alunos.

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Projeto “My Machine” é dedicado exclusivamente aos alunos do 1º ano

“Há uma grande oferta complementar, que alarga horizontes. O aluno fica apetrechado de ferramentas que irão fazer com que o currículo ganhe outro sentido”, assegura o responsável.

O trabalho está a ser desenvolvido em parceria com a autarquia, que quer ver nascer no concelho uma das primeiras escolas municipais do país (ver texto ao lado). Por agora, sem protocolo formalizado pelo Governo, todas as inovações curriculares são custeadas pela Câmara, que reserva um orçamento anual de dois milhões de euros para gastos com educação.

“Fazemos um esforço monumental, em termos de investimento financeiro, logística, recursos humanos e transportes”, assume o presidente da Câmara, Humberto Marques.

É a autarquia que paga os ordenados a cerca de duas dezenas de professores que asseguram aulas no 1º ciclo de disciplinas tão inusitadas como ioga, filosofia, dança ou artes plásticas. São sessões gratuitas e de participação voluntária, que complementam a oferta tradicional de atividades de enriquecimento curricular e que Humberto Marques define como “uma espécie de ginásio mental”.

“A formatação das escolas condiciona o processo criativo das crianças. Nós fomos percebendo que é preciso fomentar a capacidade de empreender sem limites”, afirma.

É isso mesmo que fazem Jaime, Duarte e Carolina ao sonhar com as suas máquinas. Os três alunos participam no “My Machine”, um projeto belga – e no qual Óbidos é, para já, o único município português participante – que desafia as crianças a inventar soluções para problemas do dia-a-dia. Cada aluno desenha a sua máquina e descreve as funcionalidades que gostaria de lhe atribuir. Depois, a turma vota a ideia mais interessante, que passará do papel para a realidade, com a ajuda do Instituto Politécnico de Leiria e dos alunos do ensino secundário.

Cooperar é palavra de ordem neste agrupamento, que se quer de portas abertas ao exterior. Sempre que possível, as atividades complementares põem os alunos “em ligação com o mundo” e aproveitam “sinergias e parcerias a nível local”, descreve José Manuel Nascimento. E, dentro da escola, a entreajuda é também uma constante. Veja-se o caso do ateliê criativo, lecionado por João Jorge, professor com formação em artes plásticas. Ali, fala-se de arte, mas também de ciências ou matérias de outras disciplinas.

Na última segunda-feira, por exemplo, os alunos estavam a trabalhar barro como se fosse pele humana – criando camadas, marcas e rugas.

Mais adiante, a professora Sabina Silva, responsável pelo projeto “Aprender a pensar” (uma disciplina de introdução à filosofia), desafiava os alunos a refletir sobre o crescimento e fazia novamente a ponte com as ciências, convidando-os a imaginar as transformações de pele provocadas pelo envelhecimento.

As matérias cruzam-se, a abordagem é que é outra. “Se na sala de aula os alunos são passivos, nos ateliês eles passam à experimentação, estimula-se o raciocínio e o pensamento crítico”, concluem os professores.

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Escola municipal? Sim, se não for a Câmara a mandar

Chegou a ser dado como certo para este ano letivo, mas nunca avançou. Agora, o Governo garante que é em 2015 que arranca o programa “Mais Educação”, que autoriza a criação das primeiras escolas municipais do país. A Josefa de Óbidos quer ser uma delas.

A ideia é que algumas competências do Ministério da Educação e da Ciência sejam transferidas para as autarquias, dando espaço para a adaptação dos estabelecimentos de ensino às realidades concelhias.

Uma filosofia que o presidente da Câmara de Óbidos, Humberto Marques, subscreve na íntegra. “Para a escola pública ser mais pública, precisamos de respostas a nível local”, afirma, alegando que um modelo de governação centralizado em Lisboa “não consegue responder às necessidades do território”.

Mas uma escola municipal não é, necessariamente, uma escola comandada pela autarquia. “Não acredito numa escola municipal em que é o presidente de Câmara a mandar”, frisa Humberto Marques.

Em alternativa, o autarca propõe a criação de uma “democracia participativa”, em que “pais, empresários, alunos, diretores de escolas e técnicos de segurança social e do centro de emprego” se reúnem para construir o modelo de educação local, “à margem dos instrumentos regulatórios do Governo”.

Só nestas condições é que a Câmara aceitará avançar com um projeto-piloto. Por enquanto, decorrem as negociações entre o Governo e as duas dezenas de autarquias interessadas no programa – sendo Óbidos o único município da região envolvido no projeto.

Atividades

My Machine
Empreendedores, os alunos do 1º ano inventam máquinas para solucionar problemas do dia-a-dia.

Aprender a pensar
Iniciação à Filosofia estimula o espírito crítico. “Porquê” é a palavra mágica que rege as aulas: ali todas as opiniões têm de ser justificadas.

Ioga
A disciplina foi introduzida este ano em todos os níveis de ensino, numa tentativa de melhorar a concentração e capacidade de trabalho em grupo.

Dança
Outra novidade deste ano letivo surge nas versões clássica e contemporânea.

Story Center
No 1º ciclo, produzem-se filmes sobre a história e as tradições do concelho.

Sandra M. Ferreira
sandra.ferreira@regiaodeleiria.pt
Joaquim Dâmaso (fotografia)

(Reportagem publicada na edição de 27 de novembro de 2014)

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