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Autárquicas 2017

Maioria dos eleitores com mobilidade reduzida ou deficiência não vota

Falta de informação e boletins de voto disponibilizados em braille e inexistência de intérprete de Língua Gestual Portuguesa nos comícios são principais motivos para cidadãos com deficiência não exercerem direito de voto.

A Comissão Nacional de Eleições (CNE) defende, no seu portal, que as eleições do próximo dia 1 são acessíveis mas facilmente se percebe que o direito de ir às urnas e exercer o direito de voto ainda não está ao alcance de todos, seja por motivos de mobilidade ou de deficiência.

“As pessoas surdas são cidadãos de pleno direito e, como tal, têm de ter acesso em condições de igualdade a todas as áreas de atuação na sociedade. É fundamental garantir que a informação disponibilizada está plenamente acessível em Língua Gestual Portuguesa (LGP) e também através da legendagem”, alerta o leiriense Pedro Costa, presidente da direção da Federação Portuguesa das Associações de Surdos, sobre a ausência de interpretação em LGP em algumas campanhas e os debates eleitorais.

E dá o exemplo do distrito de Leiria: “os candidatos não têm assegurado esta acessibilidade. Alguns divulgaram os folhetos da campanha, mas alguns surdos, que votam sozinhos, de forma autónoma, podem não ter acesso ou dificuldades em compreender de forma clara a informação dada. Isto faz com que a maioria dos surdos não vote devido à falta de informação, ficando abstraídos da sociedade”, justifica.

“Como é que estes candidatos que querem assumir cargos públicos de representação das populações vão fazer isto Se não informam e não comunicam com todas as populações, neste caso, a população surda?”, questiona.

Nos últimos anos, a CNE, em conjunto com o Instituto Nacional para a Reabilitação e algumas Organizações Não Governamentais de Pessoas com Deficiência, tem desenvolvido alguns materiais informativos, em linguagem e formato acessível, esclarecendo onde se pode votar, como votar e preencher o boletim, quem ocupa os cargos, … O resultado ainda não chega a toda a população.

O voto em braille, por exemplo, não existe em Portugal. Se uma pessoa cega quiser votar, terá que o fazer acompanhado, possibilidade prevista na lei, e dizer qual a sua intenção de voto.

“Como facilmente se pode perceber e concluir, este sistema de voto (acompanhado) não garante a plena igualdade dos cidadãos com deficiência visual no seu exercício do seu direito de voto. Desde logo por não o poderem exercer de forma direta e autónoma, necessitando sempre de um intermediário e mesmo que este seja uma pessoa de confiança poderão sempre subsistir dúvidas sobre o respeito pela orientação de voto formulada. Por outro lado, não se encontra deste modo garantido o caráter secreto do voto já que passamos a depender de uma segunda pessoa”, explica Telmo Coelho, presidente da direção nacional da ACAPO (Associação dos Cegos e Amblíopes de Portugal). Apesar de muitas pessoas votarem acompanhadas, refere o dirigente, outras tentam faze-lo mas “por falta de conhecimento das mesas não o fazem e muitas estão contra este sistema (voto acompanhado) que não respeita o direito o exercício do voto secreto”.

“Poucas pessoas o fazem, porque acham uma falta de respeito terem de o fazer acompanhadas”, entende Célia Sousa, coordenadora do CRID – Centro de Recursos para a Inclusão Digital.

Segundo o responsável da ACAPO, o Governo pretende avançar com matrizes em braille o que permitiria que cidadãos com deficiência visual votem de forma autónoma. “Dizemos ‘algumas’ porque nem todas as pessoas com deficiência visual são conhecedoras do sistema de leitura e escrita braille. Partindo do princípio que o Estado não está a considerar introduzir o voto eletrónico, e que no futuro próximo os eleitores vão continuar a votar em papel, assumimo-nos como defensores de duas medidas: a introdução do voto com a matriz em braille e a elaboração de diretrizes sobre a legibilidade dos boletins de voto. No entanto, defendemos também que a opção do voto acompanhado deve manter-se”, considera.

O problema, diz Célia Sousa, “é bem mais complexo” e prende-se com a falta de informação disponibilizada em braille, inexistência de intérprete de LGP nos comícios eleitorais, tal como explicou Pedro Costa, e “até à legibilidade do próprio website do Ministério da Administração Interna, referente ao recenseamento”, acrescenta Telmo Coelho.

Valorizar o eleitor

Para Célia Sousa, “é vergonhoso para um país que se diz inclusivo e que tem como princípio a equidade entre todos os cidadãos”, não ter documentação em braille. “Para além do sistema de voto, na minha opinião, todos os candidatos que não apresentassem a comunicação em braille, LGP e escrita simples, para as pessoas com baixa literacia que são atualmente o maior número de votantes em Portugal, deveriam ser impedidos de se candidatarem. É uma enormíssima falta de respeito pelas pessoas que os elegem”, diz, dando o exemplo do Brasil onde há boletim em braille e é obrigatório, por lei, apresentar todo o programa eleitoral em braille e ter sempre um intérprete de Língua Gestual nas campanhas.

As eleições são um dos temas abordado nas aulas de Cidadania e Empregabilidade no Centro de Formação Profissional da Cercilei (Cinform), em Leiria. Os alunos estão, maioritariamente, “recetivos à aprendizagem, embora nem sempre compreendam como funciona o estado democrático e, por vezes, confundem pessoas e funções”, diz Paulo Neves, coordenador do centro.

“Embora os nossos formandos tenham algum tipo de deficiência ou incapacidade, a grande maioria é autónoma o suficiente para se deslocar a uma mesa de vota e votar. No entanto alguns deles, com dificuldades de leitura, necessitam de orientação para encontrarem a mesa de voto e algum apoio na leitura dos candidatos para votarem”, explica. São os familiares mais próximos (pais) quem acaba por dar essa ajuda mas, muitas vezes, a maioria acaba por não se deslocar às urnas, tendência que aumenta se existirem barreiras arquitetónicas que dificultam o acesso aos locais de voto, dá conta o responsável.

Falar em eleições acessíveis é, por isso, “muito estranho” para Célia Sousa, pois se para as “pessoas cegas é completamente impossível votarem sozinhas”, há também o problema de acessibilidade física. “O local de voto não permite que a pessoa com mobilidade reduzida tenha acesso para escrever no seu boletim. As cabines de voto estão concebidas apenas para o voto em pé”, lembra.

Célia Sousa, que luta pela inclusão há vários anos, “gostava muito que não fosse necessária uma legislação, devia ser uma questão de civismo e de respeito”. “Os políticos só podem ser respeitados se respeitarem todos os seus eleitores”, conclui.

A região de Leiria tem um total de 461.700 eleitores, dos quais 419.502 são do distrito de Leiria, a que se somam 42.198 do concelho de Ourém.

Marina Guerra
Jornalista
marina.guerra@regiaodeleiria.pt

(Artigo publicado na edição de 28 de setembro de 2017, com introdução das respostas da ACAPO na versão digital).


Secção de comentários

  • MARIA disse:

    Concordo em absoluto.
    Um país a 2 tempos ……
    Sinto, por experiencia própria, esta realidade…..
    Acompanho um deficiente (92% de incapacidade) e tenho que acompanhar na votação e indico o local onde deverá assinalar o (x) depois de me confidenciar em quem quer votar ……. caso contrário não vota

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