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Cultura

MIA. Atouguia da Baleia é capital da música improvisada

A décima edição dos Encontros de Música Improvisada de Atouguia da Baleia (MIA) começa segunda-feira, 27 de maio. Um festival bem especial, que durante uma semana atrai à vila do concelho de Peniche 93 músicos de 20 países.

Quase cem músicos de 20 países instalam-se esta semana em Atouguia da Baleia. À décima edição, os Encontros de Música Improvisada de Atouguia da Baleia (MIA) confirmam a importância – até internacional – da pequena vila do concelho de Peniche no cenário dessa prática tão especial que é improvisar música. Músico e professor de música, Paulo Chagas, fundador e diretor artístico do festival, conta ao REGIÃO DE LEIRIA a história dos encontros.

Atouguia da Baleia é ponto de encontro de improvisadores nacionais e internacionais há dez edições  Foto: MIA

Manuel Leiria
Jornalista
manuel.leiria@regiaodeleiria.pt

Como surgiram os Encontros de Música Improvisada em Atouguia da Baleia?
Começámos em 2010, e desde aí até agora, todos os anos têm ocorrido, sempre a crescer. Surgiram quase sem querer: tinhamos pensado fazer um concerto de música improvisada, de um grupo do qual e o Fernando Simões fazemos parte. A ideia era fazer um concerto aqui na região, porque o grupo já tinha tocado numa série de sítios e nunca tinhamos tocado aqui. Convidámos alguns músicos para nos acompanharem, mas entretanto fomos vendo que havia várias pessoas que gostávamos de convidar. Como o número de convidados era bastante grande, fazia sentido ter vários concertos ao longo do fim de semana, em vez de apenas um. Nasceu assim a ideia do festival, com pequenos grupos e grupos maiores. Foi bastante interessante, as pessoas gostaram e ficámos logo a sentir uma certa responsabilidade de dar contiuidade a um projeto que se tinha mostrado de sucesso.   No ano a seguir fizemos novamente, já com muito mais gente.

E começaram logo a surgir convidados estrangeiros?
Sim, muitos que vêm de fora. Logo a partir do segundo ano houve propostas de grupos estrangeiros a querer participar. Do primeiro para o segundo ano, as coisas propagaram-se pelo “passa palavra”. Fizemos uma boa divulgação na internet e nas revistas da especialidade, a nível internacional. Isto acaba por ser uma “bola de neve”. De uns anos para os outros, o conhecimento é maior, o grupo de pessoas que toma conhecimento disto vai aumentando. Vêm músicos de renome, o que atrai outros músicos menos conhecidos, que querem partilhar com os mais conceituados.

Qual é a importância do MIA?
Cá em Portugal ninguém ignora a existência do MIA. A cena da improvisação já é bastante considerável por cá, sobretudo na região de Lisboa, mas também há uma cena boa no Porto e em Coimbra e vão começando a aparecer no Algarve espaços onde se faz música improvisada. Poderia dizer, sem falsa modéstia, que o MIA tem um bocado de responsabilidade no crescimento do fenómeno da música improvisada nos últimos anos em Portugal. Há duas décadas tinha pouquíssima expressão. A partir do MIA, as coisas têm vindo a crescer, porque temos também a preocupação de fazer formação, com workshops e conferências. Em termos internacionais o impacto é forte. Julgo que não há outro encontro com tantos músicos e a acontecer tantos dias seguidos e com um historial como nós temos, mesmo lá fora. Nem todos têm este tipo de formato e abertura. Este é um evento de natureza livre, todos os concertos são de entrada livre, não cobramos entrada a ninguém e isso não acontece muitas vezes lá fora.

E porquê em Atouguia da Baleia?
Em 2010 o espaço que nos pareceu mais apropriado foi o auditório da Sociedade Filarmónica da Atouguia da Baleia, que é pequeno, tem 100 lugares, mas é um espaço acolhedor e simpático. Aquele espaço já tem tradição! De então para cá, nem em Atouguia nem em Peniche surgiu um auditório que seja alternativa… 

Como reage a população local ao festival?
Há muita curiosidade. Não podemos dizer que a maioria das pessoas morra de amores por este tipo de música, nem na Atouguia da Baleia nem em lado nenhum. Mesmo a música pop e rock, se for um bocadinho mais enviesada, a maioria das pessoas já “torce” um pouco o “nariz”. Tem a ver com a cultura musical do nosso país, que não é muito forte. A educação em Portugal foi o que foi e só mais recentemente é que foi um pouco mais alargada e democratizada. Estamos a fazer um caminho lento… No início as pessoas compareceram bastante, mas repararam que não é o género de música que mais lhes agrada. Algumas foram ficando e há um conjunto considerável de pessoas a nível local, aqui da zona, que mesmo que não apreciem muito o resultado, acabam por ter curiosidade e gosto em participar e ir aprendendo a gostar. Não é uma multidão, mas há várias pessoas.  

Como refere, esta não é uma música fácil…
Quem ouve esta música acha logo que é esquisita. Temos aquela formatação que a música tem de ter uma melodia e um ritmo muito certinhos. E se estivermos a fazer coisas diferentes com os instrumentos, que saia da “normalidade”, há quem diga que nem sequer é música. É como ter uma pessoa a olhar para uma pintura abstrata e dizer que até o neto era capaz de fazer aquilo, ou ler uma poesia surrealista: parece que quem escreveu aquilo estava com os copos [risos].

O que é esta música improvisada?
A improvisação implica sobretudo uma coisa muito importante – que é também importante do ponto de vista social: é um processo acima de tudo de escuta. Escutar e comunicar com o outro. Não podemos fazer música improvisada com uma postura egoísta ou autista, mostrando as nossas habilidades e o que somos capazes de fazer. Isso assim não resulta. Para tocarmos uns com os outros, temos de aprender a ouvir o que os outros estão a fazer para nos podermos integrar naquele mundo sonoro que estamos a construir em conjunto. É uma arte de criatividade espontânea mas em comunidade.

O Paulo também é músico. Quando começou a improvisar?
Sou músico desde criança, aprendi música desde os 7 ou 8 anos de idade. Ouvi muita coisa e tinha a sorte de ter amigos que me iam dando a ouvir coisas. Tive curiosidade em ouvir músicas mais estranhas, menos óbvias, e como tocava instrumentos, senti vontade de fazer as minhas improvisações desde cedo. Ganhei este “vício” desde os meus 13, 14 anos. 

Qual a expetativa para esta edição do MIA?
Em número de participantes e número de dias é a maior edição de sempre. Vai ser uma semana inteira. A minha expetativa é bastante alta. O cartaz é forte: conseguimos a participação de músicos de grande renome, como o Axel Dörner, Biliana Voutchkova, Yedo Gibson, e também portugueses, como o Carlos Zíngaro ou Sei Miguel, gente que é garantia de sucesso.

E o futuro?
Em termos logísticos é difícil crescer muito mais, a não ser que arranjássemos um espaço diferente. Mas isto não é música para multidões e ter muita gente descaracteriza um bocado a coisa. Mas temos ambições de crescimento, pelo menos em termos de condições de trabalho para os músicos, para que possamos oferecer condições mais dignas. O nosso orçamento é limitadíssimo, não temos apoio da DGArtes nem da Câmara a nível financeiro, apenas de algumas empresas e da Junta de Freguesia. A maioria dos músicos vem a expensas próprias. É uma prova de paixão, generosidade e gosto pela partilha.

A edição de 2019 dos Encontros de Música Improvisada da Atouguia da Baleia conta com 93 músicos, portugueses e estrangeiros, que viajam de 20 países. Esta décima edição é a maior de sempre: arranca a 27 de maio e terminha dia 2 de junho. Ao longo dos dias há muitos concertos, workshops, conferências, música para bebés, instalações, entre outras propostas. A maior parte acontece no Auditório da Sociedade Filarmónica de Atouguia da Baleia, mas há atividades noutros espaços da vila, sempre com entrada gratuita. Programação completa em mia-festival.blogspot.com

 

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